O quadrinista Pablito Aguiar é um daqueles profissionais que criam intersecções entre diferentes áreas. Formado em Comunicação Digital e Design pela Unisinos, e em Artes, pela Universidade del País Vasco (Espanha), aos 35 anos, Pablito se destaca por um trabalho delicado e criativo no jornalismo em quadrinhos, tendo como base a escuta e a entrevista.
Morador de Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre, Pablito Aguiar lançou em 2016 seu primeiro livro, Alvorada em Quadrinhos, em que traz 23 relatos de moradores de sua cidade. Em 2022, lançou Almoço: Uma Conversa com Eliane Brum, reportagem que narra um encontro com a jornalista em sua casa, em Altamira, no Pará. Depois disso, o quadrinista ainda se tornou colaborador da plataforma Sumaúma – Jornalismo do Centro do Mundo.
No presente momento, Pablito está envolvido com a campanha de pré-venda de seu novo livro, Conversas em Porto Alegre, publicado pela Brasa Editora, no qual apresenta entrevistas com personagens conhecidos e anônimos da capital gaúcha. Ainda assim, o cartunista encontrou um tempo para conversar com a Escotilha, falando sobre a sua trajetória no jornalismo em quadrinhos e sobre os processos que emprega em sua produção.
ESCOTILHA » Li em entrevistas suas que a Eliane Brum teve uma grande importância para você. Você poderia falar um pouco sobre isso, e como surgiu a oportunidade de fazer este trabalho com ela?
Pablito Aguiar » A Eliane Brum é a maior inspiração para mim. Quando comecei a fazer esses quadrinhos jornalísticos, tive ela como horizonte. Quero ainda ser como ela. Comecei vendo os vídeos com entrevistas dela, com uma fala sempre doce, mas falando coisas muito profundas. Em seguida, comecei a ler os livros. O primeiro que li foi A Vida que Ninguém Vê, que traz relatos das pessoas de Porto Alegre; depois li O Olho da Rua, que são reportagens incríveis.
“A Eliane Brum é a maior inspiração para mim”
Pablito Aguiar
Eu recebi esse convite para conversar com a Eliane Brum através da editora Arquipélago. Foi uma coisa muito inesperada, apesar de eu sempre ter sonhado com isso. Quando eles falaram comigo, eu não estava esperando. Eles vieram com a proposta de que eu fizesse algum produto com a Eliane Brum porque seria o aniversário da editora. Como não tinha uma ideia fechada, sugeri a eles aquilo que eu acho que faço de melhor, que é entrevistar as pessoas. Então propus de ir até Altamira conversar com a Eliane Brum, e eles toparam.
Comecei então a pensar em como iria fazer essa entrevista. Geralmente as minhas entrevistas têm algo em movimento, alguma ação, e precisava acontecer algo para os quadrinhos existirem. Lendo o livro Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia centro do mundo, vi que ela gostava muito de fazer feijão, e que este era o momento que ela tinha para refletir sobre a vida. Então pensei em conversar com ela nessa situação, num lugar do seu cotidiano, que eu nem o público leitor conhecia. A Eliane aceitou, o pessoal da Arquipélago aceitou, e lá fui eu comer o feijão da Eliane Brum.
E como depois essa parceria feita em Almoço se estendeu para um trabalho junto com o portal Sumaúma?
Eu fui para Altamira e acabamos ficando amigos, me tornando uma pessoa que ela confia. Eles (Eliane e Jon Watts) estavam criando a Sumaúma, então era bem o momento que o projeto estava sendo gestado. Conversando, a gente foi dando vida ao Guariba, que é um personagem que perdeu a memória por algumas razões que a gente ainda vai revelar, e que está se descobrindo na floresta. É uma série semanal. Eu tenho muito orgulho de fazer parte do Sumaúma.
Queria que você comentasse um pouco sobre o processo de produção para uma reportagem em quadrinhos. Como você costuma realizar as entrevistas, e criar as imagens para os seus entrevistados? Acredita que há alguma diferença na apuração e produção de uma reportagem “tradicional”?
Para fazer o quadrinho, eu preciso ir até o local, viver a experiência. Saio de casa, vou até a pessoa que vou entrevistar, com um gravador e meu celular, que é tudo que preciso. Eu gravo tudo o que a gente conversa e tiro fotos daquilo que eu estou vivendo. Depois, com esses materiais, eu crio o quadrinho.
Acho que não tem muitas diferenças de uma produção tradicional, porque entendo que a apuração de uma reportagem tem que ser guiada pelo cuidado para respeitar a pessoa que você entrevistou, sem colocar palavras na boca dela, dizer coisas que ela não disse. Quando você está produzindo uma reportagem, está fazendo um registro histórico. Esse cuidado também aparece quando você está fazendo uma reportagem em quadrinhos. O cuidado é o mesmo, só acrescenta uma etapa do desenho, que é bem exaustiva, depois uma etapa da colorização.
Como você vê hoje que está hoje o espaço para este tipo de trabalho – do jornalismo em quadrinhos ou mesmo jornalismo gráfico de modo geral – no cenário brasileiro e global? Há oportunidades maiores para os profissionais que querem atuar desta forma na profissão?
Eu vejo que o espaço para o jornalismo em quadrinhos está em expansão lenta. Sei de Carol Ito, que publicou na Piauí, do Robson Villalba, que publicou na Folha… só que dá para contar nos dedos essa oportunidade. Geralmente, matérias em quadrinhos são vistas como algo especial, mas a minha vontade é que isso fosse mais comum, usado toda semana ou todo mês pelos veículos de imprensa, como uma maneira diferente de contar uma história.
E quem são as suas principais referências nos quadrinhos e no jornalismo?
Do jornalismo tradicional, a Eliane Brum, com certeza, e a Fabiana Morais, que é uma jornalista do Recife que gosto muito. Dos quadrinhos, Fabien Toulmé, que fez A Odisseia de Hakim, que são três livros onde ele conta a odisseia que um refugiado, Hakim, teve que fazer para sobreviver, saindo da Jordânia até a França. E minha outra referência é Mathias Picard, que fez o livro Jeanine. Ele acompanhou uma prostituta de 64 anos e contou a história dela, em um relato bem sensível e bonito.
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