Lisa Taddeo é uma escritora corajosa. Seu incensado romance Três Mulheres ousava explorar, de forma bem mais franca do que costumamos ver, o desejo feminino a partir de três personagens: uma mulher que abandona o marido, outra que é abusada por um professor e outra que vive um casamento aberto. O sucesso deste livro abriu caminho para que as editoras se interessassem por sua obra de estreia, Animal, publicado no Brasil pela HarperCollins, e que é um romance bastante incômodo.
Mais uma vez, o olhar é o de uma mulher. Joan começa a contar a sua história de maneira bastante provocativa: “deixei a cidade de Nova York depois que um homem estourou os miolos na minha frente. Era um homem glutão, e quando seu sangue jorrou parecia sangue de porco”.
O homem, no caso, é seu ex-chefe casado, com quem ela manteve um caso e que resolveu matar-se na frente dela enquanto Joan jantava com outro homem.
Parece, então, haver uma continuidade entre Animal e Três Mulheres: ambos os livros abordam as formas pelas quais os homens, em boa parte das vezes, projetam seus desejos nas mulheres esmagando-as ou violando-as.
Joan, por conta de múltiplas tragédias (como a perda precoce dos pais, mas não apenas isso), é uma mulher em fuga. Do que ela foge e para onde se direciona é a questão que pulsa durante toda a obra.
O que sabemos, ao início da história, é que depois do suicídio do ex-amante, ela resolve ir para a California para perseguir Alice, uma mulher que tem uma conexão com o seu passado.
A jornada de Joan é, sem dúvida, de pura devastação. Ela exibe um leque vasto de experiências sexuais que continua perseguindo, mas há a sensação de que a busca por sexo tem pouquíssimo a ver com prazer. As chaves que decifram por que isso ocorre vão sendo fornecidas por Lisa Taddeo ao longo do romance.
E as visões da personagem sobre o que significa ser mulher nesse mundo vão se desenrolando a partir de trechos marcantes, como este: “Existem estupros, e existem estupros que deixamos acontecer, estupros para os quais tomamos banho e nos arrumamos. Mas isso não significa que o homem está fazendo nada”.
A escrita de Lisa Taddeo é fluida e cativante: parece difícil querer largar o livro durante a leitura.
Ou seja, Animal traz uma abordagem não exatamente do desejo feminino, mas talvez da raiva que se esconde na maior parte das mulheres, especialmente quando passaram por abusos severos.
O título já parece deixar claro que aqui temos uma investigação do que há de “animalesco” e não-domesticado no feminino, e que segue vive e pulsante, não importa quantos traumas uma mulher passe – ou talvez se manifeste com toda força justamente por conta dessas rupturas.
Uma narrativa fluida e comovente
A escrita de Lisa Taddeo é fluida e cativante: parece difícil querer largar o livro durante a leitura. Não obstante, trata-se de uma experiência chocante e incômoda, uma vez que o livro retrata com grande quantidade de detalhes a vida emocional destroçada de Joan, que segue se colocando em situações desastrosas, pois nada tem a perder.
Tendo isto em vista, talvez dê para dizer que a força de Animal é, de alguma forma, também sua fragilidade: ele é tão impactante que, em certos momentos, parece um pouco inverossímil. Diferente de Três mulheres, que partia de uma pesquisa jornalística e, por isso, parece evidenciar mais autenticidade na história.
Mas isto não torna Animal um livro ruim. Muito pelo contrário: a obra deixa claro que Lisa Taddeo é uma das grandes vozes literárias de sua geração.
ANIMAL | Lisa Taddeo
Editora: HarperCollins;
Tradução: Stephanie Fernandes;
Tamanho: 352 págs.;
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