Há uma literatura brasileira contemporânea cada vez mais profícua que aborda temas contemporâneos, ao mesmo tempo que reflete o contexto espacial de seus autores. O centro-oeste do país, por exemplo, é um pano de fundo importante em Baixo Paraíso (editora Diadorim, 2023), primeiro romance da escritora, jornalista e atriz Isabella de Andrade.
A escritora é de Brasília, mas ambienta a trama de Baixo Paraíso em Goiás, em uma cidade fictícia homônima ao título da obra. O ambiente seco e algo ermo, onde todos se conhecem, é parte fundamenta da trama. Lá, mora e cresce Marília, uma menina que se sente inadequada sobretudo pelo peso: por ser gorda, ela se sente errada, excluída. Nessa cidade pequena, ela é colega e amiga de Gabriela, que, diferente dela, exibe um corpo padrão.
Mas essa é uma amizade complexa que se mistura com desejo e rejeição de ambas as partes. Ao mesmo tempo, Marília enfrenta seus próprios demônios, que se expressa numa relação conturbada com o corpo. Ela adora a comida e a encara como uma óbvia forma de lidar com sua ansiedade e frustração. Mas, por saber que isso é a chave para exclusão, ela luta para perder peso – nem que seja pelo caminho mais rápido, que é tomar remédios para emagrecer.
Contudo, a forma que ela tem para conseguir a receita é submetendo-se ao abuso de um homem: o padrasto de Gabriela. Mas, de forma surpreendente, Baixo Paraíso já se se inicia no primeiro capítulo pela forte cena da morte do homem, o que talvez simbolize, com o perdão do trocadilho, a queda do paraíso da infância de Marília.
Um romance de formação no interior do país
No romance, o mergulho se dá principalmente na vida interna da personagem principal e em tudo o que vai lhe acometendo à medida em que lida com os tormentos causados pela rejeição, mas também pela descoberta do desejo – que não é apenas sexual.
Baixo Paraíso pode ser considerado um romance de formação, uma vez que acompanha o desenvolvimento da personagem e as muitas descobertas que ela vai tendo até chegar ao início da idade adulta. A criança ingênua se torna uma adolescente inadequada e que, aos poucos, se vê apaixonada, de forma algo doentia, pela amiga com quem dividia a convivência desde pequena.
Ao mesmo tempo, há mistérios no entorno das duas. Ambas parecem ser filhas de pais ausentes, e suas mães também alimentam uma amizade que se desenrola sobretudo quando estão sozinhas ou quando todas vão para a fazenda da família de Marília. Lá, que também pode ser visto como um paraíso, soa como um lugar idílico em que os sofrimentos do dia a dia permanecem em suspenso.
No romance, o mergulho se dá principalmente na vida interna da personagem principal e em tudo o que vai lhe acometendo à medida em que lida com os tormentos causados pela rejeição, mas também pela descoberta do desejo – que não é apenas sexual. Marília, vista na infância como inteligente, vai se vendo cada vez mais propensa a ficar presa às limitações de uma vida no interior, destinada a poucos feitos.
O problema é que o desejo, quando experimentado, torna-se irreversível. “Depois da primeira vez não tem mais volta, depois que a gente descobre a imensidão das coisas, não há jeito, Marília, não há quem consiga voltar atrás e esquecer de vez o que aconteceu”, escreve Isabella de Andrade.
Nesta obra tocante, expressa-se com delicadeza e força várias questões, como a inquietude dos que estão muito longe das capitais e a cobrança sobre a mulheres para que tenham um corpo padrão para ser serem aceitas. São temas que seguem pulsando vivos entre nós, não importa quanto tempo passe.
BAIXO PARAÍSO | Isabella de Andrade
Editora: Diadorim;
Tamanho: 224 págs.;
Lançamento: Novembro, 2023.
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