A musa do pornaso certamente não é pudica e provavelmente seria o “Abaporútero” que ilustra a capa do livro. Movimento Pornaso, de Diego Moreira e Zé Amorim, é um livro precioso nestes tempos em que os ventos da falsa pudicícia grassam no autodenominado “país do carnaval”. Somos o país do carnaval, mas também resolvemos ser o país que fecha exposições de “arte profana”…
O título já dá ideia do tom da obra. Movimento Pornaso é gozação (palavra que não é impune neste livro) com o Parnaso (movimento literário que me aterrorizou no Ensino Médio) – e foi um prazer inenarrável ver o “Vaso Grego” (de Alberto Oliveira) derrubado dos cumes da torre de marfim e transformado em vaso de “barrego”, no poema de Diego Moreira.
Talvez haja algum prazer iconoclasta nas muitas paródias que o leitor encontrará ao longo da obra: desde o Vaso Grego, passando pela Canção do Emílio (Canção do Exílio, de Gonçalves Dias) e chegando em A Falsa (A Valsa, de Casimiro de Abreu).
Abunda o baixo ventre no Movimento Pornaso. Mais importante: abunda o corpo. Cultura também é sobre baixo ventre, sobre corpo, sobre detalhes anatômicos (ou partes não tão miúdas, conforme leremos em “Homenagem ao Jumental Garanho”, de Moreira). Duvidam? Bakhtin está aí para provar…
Abundam figuras marginalizadas, abundam idas ao puteiro, abundam cornos e, naturalmente, bundas.
Nos tempos do nude (ninguém nunca fez nem fará), resta uma reflexão: se escondemos nosso rosto, mostramos o corpo. Será que, na verdade, temos vergonha do rosto?
A poesia e o erótico andam próximas há muito tempo, como fazem questão de nos lembrar os autores, quando usam um famoso poema de Catulo como epígrafe à sua obra (Poema 16, em uma tradução deveras pudica, aliás). No Brasil, já tivemos Gregório de Matos e até alguns nomes muitíssimo insuspeitos já escreveram poesia erótica. De leve. Mas erótica.
Teremos contato com diversas formas poéticas, especialmente sonetos (quase sempre da pena de Moreira) e preciosos poemas curtos, quase sempre de Zé Amorim. Transcrevo, aqui, um que me chamou atenção:
“Cacofonia mamária”
“Camões inicia um soneto com o verso
‘Alma minha gentil, que te partiste’.
Pessoa inicia o Pastor amoroso com o verso
‘Quando eu não te tinha’.
Por isso, meu irmão, sei os bons poetas que são.”
Amorim chama atenção a cacofonias em grandes mestres da língua portuguesa e isto faz o leitor rir: também eles teriam um pezinho no Pornaso?
Noutro brevíssimo poema de Zé Amorim, temos:
“Moda genital”
“É tudo invertido:
O que era pra estar nu,
Está bem vestido”.
Aqui vai-se no mesmo sentido de uma possível leitura de “Erro de Português”, de Oswald de Andrade. Demais, nos tempos do nude (ninguém nunca fez nem fará), resta uma reflexão: se escondemos nosso rosto, mostramos o corpo. Será que, na verdade, temos vergonha do rosto? Nelson Rodrigues teria razão quando disse que “só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo podia-se andar nu”?
Também é mérito dos poetas do Pornaso o uso da mesóclise, ela mesma. Obviamente, não com as intenções que fizeram esta forma “jurássica” da língua frequentar o noticiário, há algum tempo. Em poema sem título e com três linhas, Zé Amorim arremata: “fá-lo-ia”.
De tempos em tempos, aparecem livros e autores corajosos a tratar do corpo e do sexo de modo tão explícito. Ainda bem. Eu não tenho esta coragem e admiro quem tenha, especialmente em tempos que a velha tísica (devo a imagem a Diego Moreira) chamada falsa moralidade anda dando bengaladas por aí.