Horace Walpole foi um inglês bastante… exótico. Como filho do Primeiro Ministro Robert Walpole, ele teve o incentivo – principalmente, financeiro – para conseguir estudar e, principalmente, fomentar seu grande hobby: a cultura gótica.
Apesar do gótico ter sido ressignificado várias vezes ao longo da história (e nos dias de hoje envolver algo com roupas pretas, piercings, maquiagens e vinho no cemitério), a origem do termo remonta à época medieval, precisamente nos séculos I e II, e está relacionado com os godos, um dos povos germânicos que guerrearam com Roma e foram chamados de Bárbaros.
Como séculos mais tardes eles conquistaram a cidade de Roma, o termo também ficou relacionado à cultura da Idade Média, uma das suas primeiras transformações. Outra delas remete ao que conhecemos hoje como “arquitetura gótica”. Na França do século XII, uma mudança na estrutura dos prédios permitiu que grandes catedrais, com torres gigantescas e pontudas e um forte simbolismo católico, fossem construídas.
No entanto, essas construções com seus gárgulas e vitrais só foi receber o nome de “arquitetura gótica” por Giorgi Vasari às voltas do Renascimento, no século XVI. O consenso sobre as razões de empregar o termo gótico é que ele foi utilizado por Vasari ao criticar o estilo arquitetônico, dizendo que esses prédios estavam destruindo os belos monumentos romanos.
As inovações de O Castelo de Otranto ecoaram pelas páginas de diversos futuros. Diversas outras autoras e autores se aventuraram pelo romance gótico, como Clara Reeve, Ann Radcliffe e, futuramente, Edgar Allan Poe. Mary Shelley, a mãe da ficção científica, também recheou as páginas de Frankenstein com elementos da literatura gótica.
Felizmente, não foram todos que passaram odiar as construções pontudas, e é aqui que voltamos a Horace Walpole. Ele era um entusiasta dos góticos, principalmente por sua ligação com a Idade Média: tinha coleções de objetos, obras e documentos do período e chegou a transformar seu castelo em uma construção gótica, séculos depois de ter saído de moda, no século XVIII.
Foi dentro das paredes desse castelo que Walpole escreveu (e publicou) as primeiras edições de O Castelo de Otranto. O livro conta a história de Manfred, o senhor de um castelo que vê seu filho morrer esmagado por um elmo gigante. O objeto, que prenuncia a maldição que preenche a trama, não impede as maquinações perversas de Manfred – que ignora sua filha e pretende se divorciar de sua esposa para casar com a ex-pretendente do filho.
Com medo da recepção, Walpole assinou a primeira edição do livro sob um pseudônimo italiano e justificou a obra como a tradução de um manuscrito antigo. Além disso, montou uma gráfica dentro de suas propriedades para rodar a impressão. Como o resultado foi satisfatório, Walpole tratou de escrever um segundo prefácio e editar uma nova versão. Dessa vez, assinou o livro e destacou o caráter gótico no subtítulo da obra.
As inovações de O Castelo de Otranto ecoaram pelas páginas de diversos futuros. Diversas outras autoras e autores se aventuraram pelo romance gótico, como Clara Reeve, Ann Radcliffe (também responsável pela primeira diferenciação entre terror e horror) e, futuramente, Edgar Allan Poe. Mary Shelley, a mãe da ficção científica, também recheou as páginas de Frankenstein com elementos da literatura gótica.
Isso porque a obra apresentou novas maneiras de lidar com eventos sobrenaturais. Como explica Alexander Meireles, a história de um fantasma que denuncia um rei usurpador já era conhecida em Shakespeare, mas o que Walpole faz é “uma rebelião da imaginação em um mundo regido pela razão”. Dentro de um contexto da literatura neoclássica, preocupada com a forma narrativa regida por padrões da antiguidade, Horace insere elementos sobrenaturais em uma forma realista.
Alexander explica que Walpole uniu duas tradições: a do romance (em inglês), que tratava do sobrenatural e de eventos extraordinários, com o novel, que tinha uma abordagem mais realista da sociedade. Dessa forma, o sobrenatural é inserido dentro do cotidiano.
Em uma matéria para a revista Galileu, Oscar Nestarez explicou essa relação: o fator medo não era inexistente na literatura até então, mas ele era empregado com algum propósito, fosse para catequizar ou para incutir alguma moral, mas Walpole utiliza o medo como elemento puramente narrativo, sem segundas intenções.
Dessa construção, surgem várias técnicas de Horror e Terror, como os cenários obscuros, a porta que range, o castelo recheado de câmaras secretas, os quadros que se mexem, etc. Como diz o professor Ariovaldo José Vidal, na apresentação do livro em uma antiga edição da Nova Fronteira dos anos 1990: “essa fórmula inicial de romance sobrenatural fez grande sucesso no tempo de Horace Walpole, em meio a um público pequeno-burguês que buscava, por meio dessa e de outras formas literárias populares, como o romance sentimental, uma fuga do dia-a-dia cinzento da vida social e do racionalismo que começava a ditar a vida”.
Talvez por isso, para o público do nosso tempo, o livro pode ser um pouco exaustivo. Pautado por um estrito código moral, o livro é pautado pela luta do bem contra o mal, do justo contra o injusto e da luta dos homens para a realização do seu destino, deixando claro em vários diálogos o papel necessário da submissão feminina.
O CASTELO DE OTRANTO | Horace Walpole
Editora: Selo Escotilha (Martins Fontes);
Tradução: Oscar Nestarez;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Junho, 2019 (atual edição).