Tenho uma relação meio difícil com os livros do Chico Buarque. Li Estorvo e Benjamim durante a faculdade e, na época, fiz muita pose de inteligente com os livros pra lá e pra cá, fui até o fim das duas obras como quem está muito interessado, mas a verdade é que não entendi lhufas daquilo ali, pareciam que estavam escritos em elfo. Foi um trauma tão grande que, hoje em dia, eu não teria nem coragem de chegar perto desses livros, por medo de descobrir que continuo tão burro.
Depois encarei Budapeste (sou daqueles “ah, ele é um compositor genial, então tem que dar mais uma chance pra literatura do cara”). Gostei do livro, achei lindo e me impressionei com a estrutura narrativa, mas a verdade é que, hoje em dia, já não me lembro de nada do que li. Leite Derramado já desceu mais redondo, pois tinha um flerte ali com Memórias Póstumas de Brás Cubas que eu acabei curtindo.
Aí, a Companhia das Letras anunciou O Irmão Alemão e eu pensei “melhor ler logo antes que o livro ganhe um Jabuti”. Não tinha dado nem uma semana do lançamento direito e o negócio já andou sendo indicado a prêmios, o que prova que o pessoal de concurso lê rápido pra caralho.
Pois bem, o livro entra naquela modinha de misturar elementos reais e ficcionais, o que faz com que talvez esta seja a obra mais pessoal do autor, já que a história é sobre ele mesmo e sobre sua família. Ok, é auto-ficção então é sobre ele, mas não é necessariamente ele ali na narrativa, entendeu? Pois é, deixa pra lá…
O livro entra naquela modinha de misturar elementos reais e ficcionais, o que faz com que talvez esta seja a obra mais pessoal do autor.
Temos como protagonista um jovem rebeldinho, muito erudito e insuportavelmente pedante, que nasceu numa família abastada, meio que não faz quase nada da vida e que descobre no meio da biblioteca do pai uma carta revelando que talvez ele tenha um irmão na Alemanha, fruto das andanças do Sr. Hollander (Sérgio Buarque de Holanda) pelas terras do chucrute nos anos 30.
O livro todo é sobre esse protagonista tentando reconstruir o passado do pai para tentar descobrir se seu irmão ainda está vivo. É aquela coisa, enquanto busca algo distante, ele começa a se encontrar consigo mesmo etc.
Há bons momentos, principalmente no início quanto o autor vai mostrando a relação da família com os livros (tem um lance meio Borges com aquela biblioteca labiríntica), as observações sobre o comportamento das pessoas através das marcas que elas deixam nas obras que leram são interessantíssimas.
Toda a mistura de ficção e realidade também é curiosa, já que Chico mescla fatos históricos e também vários fluxos de consciência do personagem, que imagina o futuro imediato de diversas formas diferentes. Para quem gosta de literatura, é sempre um deleite ir coletando as referências a obras e autores que admiramos, o livro está repleto dessas sacadinhas intelectuais e de “Momentos Caras” (o pai de Chico era amigo do Thomas Mann, por exemplo).
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Por outro lado, conforme a história avança, fica parecendo que o autor quer terminar aquilo logo, fica um troço meio “vamos, vamos que o livro tem que estar nas prateleiras antes do amigo secreto da firma”. O ritmo da segunda metade do livro é tão equivocado que faz a gente pensar como que o editor não deu um toque avisando que havia algo de errado.
Não há respiro nenhum, quase nada de reflexão ou pelo menos um pouco de silêncio e contemplação, é como se tivessem que encaixar todo o volume da pesquisa que fizeram e, ao mesmo tempo, aqui e ali, tentar fingir que isso não é um livro de História. É um festival de nomes e de lugares que vão sendo disparando, como se só o registro importasse. É algo que se não chega a nos deixar perdido, nos deixa, no mínimo, entediados.
Em resumo: Que puta livro chato, Chico!
Se for pra ler sobre um playboy que viveu entre os literatos, prefira O que amar quer dizer, do Mathieu Lindon. Bem melhor.
Fico até com pena dos jurados de prêmios literários, pois se eles indicam livros tão medianos assim, imagina só o que ficou de fora? Resposta possível: um monte de gente que não tem nome de estrela da MPB.
O IRMÃO ALEMÃO | Chico Buarque
Editora: Companhia das Letras;
Quanto: R$ 29,90 (240 págs);
Lançamento: Novembro, 2014.