Quando olhamos para trás e analisamos a música de cada uma das décadas do século XX no Brasil, é sintomático rotularmos cada uma delas com determinadas características. Os anos 60 foram os do sucesso da Jovem Guarda e posteriormente da Tropicália. Os 70, bastante plurais, é verdade, e por isso difíceis de serem “etiquetados”, podem ser considerados como a década da consolidação da MPB.
Com uma cena bastante inovadora, boa parte dos álbuns que entraram para a história da nossa música foram lançados nesta década. Os anos 80, por sua vez, são frequentemente creditados como os de domínio das bandas de rock nacional, que fizeram sucesso por todo o país e deram uma nova roupagem ao gênero no Brasil. Mas, e os 90?
Perdida na transição entre o vinil e o CD e vivendo a ressaca de um país em crise, a geração noventista não tem necessariamente um rótulo para chamar de seu. Pelo contrário, as produções musicais da década foram extremamente variadas e possibilitaram o (res)surgimento de ritmos bastante particulares.
Do rock-reggae do Skank ao rap dos Racionais. Do punk desbocado dos Raimundos ao coro retumbante da Nação Zumbi com o manguebeat. Os muitas vezes subestimados anos 90 foram um período bastante intenso para o cenário musical tupiniquim.
Os muitas vezes subestimados anos 90 foram um período bastante intenso para o cenário musical tupiniquim.
Aliás, um dos detalhes fundamentais e que também pautou as produções musicais da época se deu com a fundação da MTV Brasil, em outubro de 1990. O canal importado dos Estados Unidos e por aqui administrado pelo grupo Abril deu uma nova dinâmica ao conceito e à imagem que os artistas transmitiam para seu público.
A popularização do videoclipe e a cada vez maior importância que os cantores e as bandas davam para esse recurso fizeram da década um período efervescente para as produções audiovisuais de nossos músicos.
Comecemos por um dos nomes mais marcantes da cena brasileira noventista: o Planet Hemp. O ousado grupo carioca fazia uma mistura muito bem trabalhada de rap, samba, punk rock e mais o que você quisesse. Com letras polêmicas e irreverentes, Marcelo D2, BNegão & cia cravaram seus nomes na história da música nacional.
Em seu álbum de estreia, Usuário (1995), o Planet deu as caras para o mundo falando abertamente sobre sua posição em favor da legalização da maconha e apresentou um som pesado e original, mesclando acordes de guitarra numa pegada hardcore e samples de rap e samba. Em resumo, um som de atitude: a agilidade e crítica social típicas do hip hop com toques de punk e brasilidade.
Clássico da banda, o clipe de “Legalize Já” chegou a ser censurado no país.
https://www.youtube.com/watch?v=XaCeB4Ouh84
Um ano antes, em 1994, foi a vez da música pernambucana fazer barulho em nosso cenário musical. Com o lançamento de Da Lama ao Caos, Chico Science e sua Nação Zumbi apresentavam um movimento contracultural genuinamente brasileiro.
O manguebeat, como ficou conhecido, misturava rock psicodélico e pesadas guitarras com música regional nordestina e as marcantes levadas de percussão dos surdos e das alfaias. Impossível não citar também as letras fortes que tratavam de temas como a desigualdade social e a vida no Recife.
“Maractu Atômico”, clipe clássico da MTV dos anos 90, foi um dos maiores sucessos da voz de Chico Science.
Quem também debutou no início dos anos 90 foram os mineiros do Skank. Fazendo um pop rock que flertava nitidamente com o reggae, a banda liderada por Samuel Rosa debutou no cenário musical brasileiro no ano de 1992, com o lançamento do disco homônimo Skank.
O sucesso do quarteto em nível nacional, no entanto, só veio a acontecer após os trabalhos Calango (1994) e O Samba Poconé (1996). Este último, inclusive, marca o início de uma fase um pouco mais pop da banda que, sem se afastar definitivamente da pegada reggae, foi deixando de lado o “dancehall” jamaicano e incorporando harmonias mais bem trabalhadas.
O álbum conta com sucessos como “É Uma Partida de Futebol” e “Garota Nacional”, cujo clipe foi lançado em meio a muitas polêmicas por conta de seu excessivo sex appeal, por assim dizer.
A década de 1990 também marcou a popularização do rap no Brasil. Nomes como os de Thaíde, MV Bill e Racionais MCs colocaram o ritmo no mapa da música nacional e, por tabela, deram visibilidade à linguagem da periferia e seus dramas sociais.
Com forte apelo popular e fazendo sucesso até hoje, os Racionais foram os maiores expoentes do rap no Brasil dos anos 90. A linguagem crua e direta das letras de Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay trazia temas que iam da vida no crime à desigualdade social e racial que atingia a parcela da população periférica do Brasil. O quarteto paulistano ganhou fama com o lançamento de Sobrevivendo no Inferno em 1997, álbum definitivo do rap e da cultura brasileira dos anos 90.
Mas o que seria dos anos 90 sem a marca de irreverência? Nesse contexto, nada melhor do que falar sobre o Raimundos e seu punk rock pornográfico. Com forte influência dos ritmos nordestinos, o grupo tomou de assalto o cenário roqueiro no Brasil da época e, com letras bem-humoradas e muita atitude, reavivou o punk em terra brasilis.
O lançamento do disco homônimo de estreia, Raimundos (1994), contou com sucessos como “Puteiro em João Pessoa”, “Nêga Jurema” e “Selim” e chegou a figurar em uma lista dos 100 melhores discos da música brasileira feita pela revista Rolling Stone.
Com fortes doses de comicidade e palavrões a perder de vista, os Raimundos marcaram época com sucessos como “Puteiro em João Pessoa”.
Bonus Track
Impossível falar dos anos 90 sem citar o fenômeno Mamonas Assassinas no ano de 1995 e, principalmente, o sucesso do pagode de Norte a Sul do Brasil. Enquanto o conjunto paulista fez um rock com muito bom humor e conquistou uma legião de fãs no curto período em que esteve em atividade, os pagodeiros viveram na década de 1990 seus anos de ouro e popularizaram o ritmo dissidente do samba. Nomes como Só Pra Contrariar, Molejo, Exaltasamba e Raça Negra ganharam fama por todo o país com suas músicas recheadas de letras românticas.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.