Por Camila Nichetti*, especial para A Escotilha
Chovia tanto que cada barraquinha da Feira do Largo da Ordem se tornava o abrigo ideal para os que ali estavam. Exceto para os Hare Krishnas: esses passavam pelo local com toda a serenidade que é tão natural a eles, cantando em “alto e bom som” o maha-mantra. Nem ligavam para aquela disputa por uma tenda ou marquise, tão pouco para a chuva. Meu destino não era a feira, e sim o Teatro Universitário de Curitiba (TUC), e para lá eu fui.
O teatro era pequeno e escuro, a ocupação considerável do público me impossibilitava de ver a banda Fuga da Alma, que tocava um hard rock clássico por volta de 13h20 no TUC. Saí da sala e fiquei um tempo na galeria Júlio Moreira – que liga o Largo da Ordem à Praça Tiradentes. Em volta havia uma inquietação. Pairava sobre o local uma densa euforia, risos espontâneos e jovens que falam de arte, política, música e feminismo.
Um tempo depois, um pouco molhados e com muitos equipamentos musicais nas mãos, o quarteto da Banda Gentileza desceu as escadarias da galeria, e entraram em uma sala em frente ao TUC, onde mais tarde aconteceria o show da banda dentro da Corrente Cultural. Mesmo com o clima adverso que fazia no domingo, os músicos mantinham o bom humor enquanto se preparavam para o show. Faziam piada com a falta de assédio do público, já que a sala tinha portas de vidro e os passantes pouco se importavam com o que acontecia ali dentro. Jota Borgonhoni, guitarrista da banda, disse: “eu amo vocês”, enquanto acenava para um canto vazio da galeria.
A Banda Gentileza faz um duelo amigável entre o indie folk e o pop rock. Apesar de não ser o conceito mais preciso, é o que mais chega perto de descrever o som da banda que harmoniza as guitarras, baixo e bateria com violino, teclado, maracá e até uma viola caipira. Isso se deve à variedade de influências agregadas pelo quarteto curitibano. Assim como o instrumental de peso, o coro também aparece em quase todas as músicas do grupo. As harmonias ousadas e letras expressivas interpretadas com bom humor também caracterizam o grupo.
Por volta de 13h45, o som potente das guitarras da banda Fuga da Alma se tornou um convite irrecusável para que eu e Heitor Humberto, vocalista da Banda Gentileza, saíssemos da galeria para ter uma conversa sobre o show que aconteceria logo mais. Conversamos sob uma marquise e em frente aos banheiros químicos instalados ali para a Corrente, e já falando sobre a dúvida levantada pelo colega Bruno Vieira, por experiência própria eu digo que a frase “Sistema Falido” pichada na porta de um dos sanitários se referia ao banheiro mesmo.
“Nos últimos dois anos nós passamos por uma transformação, pois éramos um sexteto e nos tornamos um quarteto, por isso, tivemos que rearranjar nossas composições. E foi aí que os vocais entraram e os coros começaram a fazer parte da maioria das músicas. Essa experimentação com a banda deu muito certo e quando nos escutamos, ficamos bem satisfeitos com o resultado”, comentou Heitor, sem falsa modéstia.
Acalentados por um clima familiar, a banda apresentou um repertório que tinha principalmente as músicas do último álbum, e também algumas faixas já bem conhecidas do público.
Ele também falou sobre como é ter uma banda independente em Curitiba. “A banda completou dez anos em 2015, e no começo ter uma banda independente em Curitiba era procurar um lugar pra tocar, tentar divulgar as músicas, pois a internet estava começando a se popularizar. Depois que tínhamos os lugares e shows marcados, era todo um trabalho para juntar uma grana e gravar os CDs. Hoje, nós temos outra situação, porque já tocamos em alguns lugares do Brasil, temos dois álbuns gravados. Então nosso trabalho está mais voltado em manter o público que temos e angariar mais pessoas. Além disso, temos que manter a cena rodando, levando a música autoral independente para os ouvidos que não estão acostumados com isso”.

Show
Da mesma forma que carregaram os equipamentos do estacionamento no Largo da Ordem até a galeria, os músicos também foram responsáveis por transportar os instrumentos da sala em frente ao TUC até o palco, e lá montar toda a aparelhagem. Enquanto faziam os ajustes de microfone e colavam no chão o setlist do show, os primeiros fãs começavam a ocupar o teatro. Uma menina com cerca de 12 anos se aproximou e pediu um autografo, ela foi rapidamente atendida e saiu eufórica em direção a mãe. Os dois autógrafos que ela ganhou a deixaram quase tão feliz quanto aparentavam estar os quatro rapazes que na porta de entrada do teatro conversavam e gargalhavam. Até tentei fazer uma leitura labial e entender o motivo de tamanha animação, mas falhei e voltei meu olhar para o show que já estava prestes a começar.
Com adesivos de “Fora Cunha” e a música “Chorume”, o show teve início pontualmente às 14h30 no pequeno palco de 5x5m. Diferentemente do que acontecia quando a banda chegou ao TUC, no momento em que as primeiras notas foram tocadas, o público já havia ocupado todo o espaço destinado a ele no teatro. Segundo a organização do evento, a capacidade de público do local é de 99 pessoas sentadas, mas por se tratar de um evento em que não havia cadeiras, esse número dobraria. Devido à alta rotatividade da galeria, seria uma grande ingenuidade tentar precisar quantas pessoas assistiram ao show, mas durante uma hora, tempo que a banda se apresentou, o teatro esteve lotado. E o mesmo aconteceu com o lado de fora.
Acalentados por um clima familiar, a banda apresentou um repertório que tinha principalmente as músicas do último álbum, Nem Vamos Tocar Nesse Assunto, e também algumas faixas já bem conhecidas do público, de quando a banda ainda se chamava Heitor e Banda Gentileza.
As músicas animadas, a presença de palco e a interação com o público chamaram a atenção inclusive dos que nunca tinham sequer ouvido falar da banda, como foi com Ednei Sampaio, de 47 anos. Vestindo uma camiseta muito colorida, calça e sapatos brancos e um chapéu, ele confirmou com palavras o que suas vestes já evidenciavam. “Eu sou do samba né, minha filha, quero mesmo é ouvir o Diogo Nogueira, mas esse pessoal estava tão animado que eu resolvi ficar. Fiz uma boa escolha, né?”
Para quem já conhecia o grupo, a oportunidade também era única, pois o palco e a plateia eram separados por menos de um metro. Vanessa da Silva Gravinski, de 19 anos, foi uma das primeiras a chegar ao teatro e assistiu ao show ao lado da caixa de som. Cantava todas as músicas. “Eu já fui a quatro shows deles. Esse é o quinto que vou, nunca tinha ficado tão perto, no final tiramos até fotos juntos”, comentou.
O show continuou e a relação entre a banda e público ficou cada vez mais harmoniosa, o que já era esperado pelo quarteto. Antes do início, Heitor falou sobre a expectativa de voltar a tocar no TUC. “Fora o fato de ser um lugar historicamente ligado à música autoral independente de Curitiba, é um dos primeiros lugares que a banda tocou, então tem muita história ali. E tem o lance de ser um lugar aberto, então o pessoal chega, fica um pouco e sai. Assim, a circulação de gente é muito grande e isso vai nos proporcionar uma experiência diferente do que vivemos normalmente”.
A experiência terminou com o público pedindo bis e a banda tocando a última música no meio da plateia. Todos pareciam ocupados demais, mas dessa vez não era com o trabalho, a faculdade ou o smartphone, pois visivelmente eles estavam conectados com o que estava acontecendo ali.
* Camila Nichetti é graduanda em Jornalismo pelo UniBrasil Centro Universitário. No jornalismo, atira para todos lados, trabalhou com assessoria de comunicação, jornalismo esportivo e fotografia. Atualmente, produz um livro reportagem sobre histórias de vida.