A inquietude é uma característica típica aos grandes nomes das artes. É quase uma necessidade inerente à sua existência estar em constante produção. Apesar de não nos faltarem exemplos de gênios da cultura, não chega a ser algo comum encontrarmos estes espécimes a cada esquina, mas acredite, eles estão aí.
E foi procurando entender o que inspirava um dos mais prolíficos músicos argentinos da atualidade que inciei um papo com Mariano di Cesare, a mente, o corpo, o coração e a voz por trás do projeto El Príncipe Idiota – e um dos integrantes da banda Mi Amigo Invencible, de Mendoza, na Argentina.
“Me inspiram os sons e a experimentação com eles, mas sobretudo o que mais me motiva é a impossibilidade e a pesquisa”, conta o músico, que só no ano de 2015 lançou três discos, dois com a El Príncipe Idiota e um com a Mi Amigo Invencible. “Trato de encontrar formas de dar vida às minhas ideias, e ao não chegar nos resultados esperados, sigo buscando e assim sigo gravando”, completa. E se há algo que possa ser pontuado é a habilidade de Mariano em compor de forma tão distinta e com qualidade.
Doméstico é uma obra em que não se encontram arestas, fornecendo aos fãs riffs mais dançantes, quase rompantes meteóricos de notas musicais, e baladas mais reflexivas e contemplativas, passando longe da inércia ou da letargia que por vezes sobrevoa o universo indie.
Doméstico, primeiro disco lançado em seu projeto paralelo, a El Príncipe Idiota, é uma boa síntese de uma geração argentina que vem fazendo, ano após ano, discos que não apenas a representam, mas que dialogam com o restante do mundo por sua veia local e seu pulsar universal.
“Sou uma pessoa muito inquieta. Preciso estar gravando músicas constantemente, se não eu morro”, comenta Mariano, que considera que a música está mais homogênea universalmente. “A esta altura está tudo bastante amalgamado. A música global é cada vez mais parecida. Nossa busca agora não é estética, territorial ou temporal. Tentamos fazer música que nos reflete como pessoas reais, diferentes do que se vê na TV ou nas rádios”.
Pois o que se ouve em Doméstico (e também em Diccionario Básico Ilustrado, o disco com as canções consideradas “lado B” do álbum de estreia) é justamente como cada vez mais estamos caminhando em uma mesma estrada sonora. “Dramón en la Tele” e “Héroe de la Madrugada”, por exemplo, convertem-se facilmente em hits, seja por suas letras e sua abordagem demasiadamente humana sobre os conflitos de nossa existência, seja pela urgência que seus riffs (em especial o da primeira) provocam no ouvinte.
Coeso do início ao fim, Doméstico é uma obra em que não se encontram arestas, fornecendo aos fãs riffs mais dançantes, quase rompantes meteóricos de notas musicais, e baladas mais reflexivas e contemplativas, passando longe da inércia ou da letargia que por vezes sobrevoa o universo indie.
Mariano ainda oferece camadas de versatilidade em Diccionario Básico Ilustrado, um álbum “lado B” que faz jus à terminologia, ousando com suas paisagens sonoras ambientais e músicas mais curtas, excetuando-se “Banana”, a única que ultrapassa a marca dos três minutos de duração.
Cesare passeia pela experimentação, buscando uma sonoridade ímpar por sua raridade abaixo da linha do Equador, fusionando a particularidade de Sigur Rós e a eloquência instrospectiva do Radiohead. Chega a ser até mais um trabalho novo, um redirecionamento em relação a Doméstico, do que um disco de sobras.
Sobre o futuro, o músico, que é fã de música brasileira, “mas a maioria de antes dos anos 80”, afirma que pretende seguir gravando. “E tratando de viajar com ela a lugares onde não estive antes”. Pois se não esteve ainda em Curitiba, já é nosso convidado.
A música ao sul do mundo
Nesta fase da coluna em que tenho tido a oportunidade de conversar com os artistas, me interessa especialmente a forma como enxergam o diálogo de seu trabalho com o restante do mundo e a possibilidade de compreender as diferentes nuances e dificuldades em ser artista mundo afora.
No caso de Mariano e da El Príncipe Idiota, ele não faz rodeios ao contar que optou por viver com pouco dinheiro, trabalhando com algo que lhe consuma poucas horas de sua vida, de forma a poder dedicar-se à música. “O dinheiro que recebemos com os shows e outras coisas é revertido para seguir produzindo. Não ganhamos dinheiro com a música, mas tampouco perdemos”, afirma.
O fato de não estar na capital federal parece não ser muito um problema para ele. “Sinceramente, há muita gente fazendo música e muitos músicos fazendo coisas. Há bandas maravilhosas soando para uma ou mil pessoas, que te mudam o dia, o humor, e te oferecem uma nova forma de ver o mundo. O mais importante para mim é isso, e acontece”, conta. O restante, diz o músico, é seguir lutando. “É como sempre: há que buscar dar a volta [por cima] para não se afrouxar por todo o esforço empregado e seguir adiante por mais que a coisa não funcione”.
NO RADAR | El Príncipe Idiota
Onde: Mendoza, Argentina.
Quando: 2014
Contatos: Facebook | Bandcamp | SoundCloud
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.