Não é algo tão comum assim, mas às vezes aparecem bandas na sua frente que fazem você entender o que elas querem passar logo de cara. Com frequência, nem as próprias bandas sabem o que querem transmitir, outras nem pensam nesses sentimentos. Lembro que quando ouvi a Taunting Glaciers pela primeira vez – a música era “On Discussing Wolves” – eu os entendi.
Os instrumentos faziam sentido, o vocal rasgado passava o sentimento exato da canção, tudo fazia sentido. O primeiro EP, lançado no ano passado, já tinha uma cara de trabalho completo. As seis canções formavam um todo e eram uma apresentação perfeita da banda que recém havia começado.
Com pouco mais de dois anos de vida, eles acabam de lançar Threshold, seu primeiro álbum, e mostram que há no Brasil fôlego para post-hardcore inovador e de qualidade.
A Taunting Glaciers é de Blumenau (SC) e começou como um projeto solo de Roberto Lucena, que já tinha nas costas várias passagens por grupos na região. Influenciada especialmente por nomes como Touché Amoré e Pianos Become the Teeth, a banda faz post-hardcore com pegada melódica e instrumentais de música ambient.
O resultado são composições pesadas, que unem belas melodias com agressividade e composições introspectivas. Nos primeiros EPs, o vocal era mais influenciado pelo screamo, com verdadeiros rugidos, que em Threshold aparecem em menor quantidade, adicionados com precisão em momentos específicos.
Com a particularidade de cada música, assim como era possível lá na primeira audição entender a Taunting Glaciers, é possível entender Threshold como uma obra com sensação única.
O disco abre com a faixa que dá nome ao trabalho e coloca em perspectiva todo o tema abordado aqui. A música fala sobre limites e limiares cruzados para alcançar a paz, de certa forma antecedendo tudo que a banda aborda nas outras nove faixas, que falam sobre momentos difíceis e fases em que buscamos por algum sentido para nós mesmos.
Forma-se, inclusive, uma oposição ao final do álbum, onde “On Discussing Wolves”, a primeira música escrita por Roberto para a Taunting Glaciers, diz que é hora de recomeçar. Esse recomeço, talvez, seja o ponto de ruptura que Threshold cita.
Outro grande momento do álbum é “Sailing Lights”, que começa singela com um riff de guitarra e toques no piano, até abrir espaço para um vocal que parece surgir de longe, como um eco, até se aproximar e crescer numa canção potente e carregada de emoção.
A faixa mostra também o ótimo trabalho na produção, que usa com perfeição momentos silenciosos que ajudam a criar uma atmosfera que permeia o disco inteiro. Com a particularidade de cada música, assim como era possível lá na primeira audição entender a Taunting Glaciers, é possível entender Threshold como uma obra com sensação única.
Quatro faixas presentes no primeiro EP da banda ganham novas versões aqui. Se todas tinham um ar mais agressivo e rápido inicialmente, no disco elas pisam no freio e são mais cantadas. Já “Unhanded”, uma das músicas inéditas, tem uma introdução que parece saída de alguma faixa de Keep You (2014), do Pianos Become the Teeth.
Desde que conheci o trabalho inicial da Taunting há mais de um ano e os vi trabalhando em novos EPs e singles, esperei com ansiedade por um primeiro disco que trouxesse a essência da banda. Threshold é até mais do que eu esperava, com boas letras e qualidade incrível em todas as composições. É post-hardcore feito no Brasil (e fora dos grandes centros) que não perde em nada para bandas do gênero que surgem nos Estados Unidos.
Com isso, algumas conquistas já aparecem para a banda, que abriu um dos shows da turnê do Circa Survive no país, mês passado, e na próxima semana abre para os norte-americanos do La Dispute, na turnê que passa por Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Vale a pena conhecer.
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