A música tem uma capacidade ímpar de conseguir comunicar em nível mais expansivo que outros produtos culturais, principalmente por atingir as pessoas a qualquer hora e lugar. A maioria das pessoas adora uma boa música e elas, ao menos as que se dispuserem a ouvir Leftovers, EP dos cianortenses da No Crowd Surfing, viverão esta experiência.
Vivemos uma fase pós-streaming em que o “faça você mesmo”, ou DIY, deu novo frescor à música, facilitando em alguns níveis que bons projetos ganhem vida. E Leftovers é um marco na carreira da No Crowd Surfing, que já possui na bagagem o LP Pretending I’m Not Here, onde os meninos tomam posse de ingredientes bem básicos na arte da música e [highlight color=”yellow”]entregam uma obra repleta de zelo e vitalidade[/highlight].
Com o álbum de 2014, Eduardo Nani, Fernando Tommasseli, Gustavo Scherbaty e Murilo Marin romperam as barreiras de Cianorte com sua ambição, visão, inteligência e movimentação – além das boas músicas, importante frisar. É um fato incontestável, e foi desta forma que fugiram da mediocridade subjacente ao duro mundo independente, assumindo que mais do que o potencial de hitmaker já apontado ao grupo, eles formam um conjunto talentoso e com uma linha autoral bastante autêntica.
Nem mesmo as influências que estão por trás da sonoridade do grupo, como Dinosaur Jr e The Cribs, para ficar apenas em dois que mais saltam aos tímpanos, encarceram a criatividade da banda. O quarteto amplia o espectro, diminuindo o flerte com o indie e direcionando mais às suas beiradas. Enquanto o grupo propõe um epítome da diversão, se esforça em fugir de rótulos e estereótipos que presumem uma limitação sonora.
Nem mesmo as influências que estão por trás da sonoridade do grupo, como Dinosaur Jr e The Cribs, para ficar apenas em dois que mais saltam aos tímpanos, encarceram a criatividade da banda.
Entretanto, em nenhum instante (e esta é uma realidade que já vem desde o disco de 2014) a No Crowd Surfing alimenta uma crença (que não raramente, e de forma ingênua, se perpetua no seio independente) que seus hits radiofônicos sejam viáveis – o que dá uma cara muito descontraída ao grupo e aos seus registros, desprendidos de uma obrigatoriedade de resultados e, também, despregada de uma atitude blasé.
É uma missão ingrata tentar descrever as guitarras desgastadas e distorcidas do EP, que se projetam de maneiras diferentes em cada umas das quatro músicas, e que já chegam ao público com um atestado de “sobras” pelo próprio quarteto, que sente que as canções deixaram a desejar. Curiosamente, a própria consciência da pretensa limitação das canções insere uma crueza e sinceridade pouco comuns ao universo musical, e abre as portas para que cada um perceba aquelas gravações de modo discordante.
Em todo caso, está ali a marca maior da identidade da banda de Cianorte: [highlight color=”yellow”]uma música baseada em guitarras e melodias insistentes e penetrantes[/highlight]. É claro que nada disto é novo, mas quantas músicas consistentemente boas devem ser encadeadas antes de concebermos que um registro pode ser realmente excelente?
O disco permite um mergulho nostálgico? Sim. Há ganchos com suas influências? Sem dúvida. Mas não foram necessários mais que treze minutos e vinte e nove segundos para construir uma fantasia memorável de que a música pode, sim, nos levar a lugares encantadores. Um ponto a mais para um projeto que, apesar de lançado em 2017, talvez ainda esteja parado lá em 2015 – e ainda fazendo eco.