O Brasil e sua extensão territorial criam um cenário que nos torna vários em um só. E fora das capitais do Centro-Sul brasileiro, cenas musicais fervilham e se agitam, nem que seja na base da fé que nunca morre. Se a torcida do Corinthians é conhecida como o “bando de loucos”, alusão à fé inabalável do torcedor corintiano, capaz de fazer qualquer “loucura” pelo clube, o que dizer dos músicos que em cidades pequenas do Norte e Nordeste brasileiro insistem em fazer música?
A imprensa, seja mainstream ou independente, nem sempre ajuda na construção de um ambiente mais viável para estes artistas. A situação é simples: se Ouro Preto do Oeste, em Rondônia, é longe para nós de Curitiba, por exemplo, o inverso também é verdadeiro. Mas é desta cidade, localizada a cerca de 330 quilômetros da capital, Porto Velho, que a banda O Retrô Ativo estrutura sua existência.
Aos olhos e ouvidos acostumados com a imprensa repercutindo apenas os ritmos regionais, pensar que a banda faz rock alternativo que une elementos do stoner rock e de psychedelic rock pode até causar estranheza. Mas, a bem da verdade, a única coisa que pode separar os riffs agressivos do grupo do que é feito em qualquer outra cidade do país está implícito nesta frase: a geografia. “O Retrô Ativo é uma psicodelia com peso, é falar sério brincando, vocal rasgado e gemido, é criticar o que se é, é ser retrô e ativo (no sentido de moderno)”, conta Yves Estevam, vocalista do grupo.
Oriundos de um estado onde a imigração participa ativamente do estabelecimento do perfil social da população, Rondônia oferece uma mistura de elementos culturais e sociais que a banda trata de levar para sua sonoridade.
Composta por Yves, Fernando Limma, Jonatan Correia e Renan Bueno, a O Retrô Ativo procura, como a maioria dos artistas independentes, equilibrar a carreira musical com as obrigações do dia a dia. “Hoje é um projeto que estamos levando a sério”, narra Yves. “A ideia é abandonar nossos trabalhos de ‘gente normal’ e seguir carreira de ‘gente louca’”, afirma o vocalista da banda.
Com um EP e dois singles gravados, a O Retrô Ativo entrou em reta final de gravação de seu primeiro álbum completo, O Tempo É um Eterno Começo, que tem previsão de lançamento para junho deste ano. Criada sem a pretensão de ser uma banda autoral, foi a partir de um concurso que exigia de seus participantes a veia autoral que o grupo começou a tomar corpo. “Até então, éramos uma dupla que tocava em barzinhos”, conta Yves, que em três meses compôs 9 canções para apresentarem no festival, que aconteceria em Porto Velho.
Isso acabou resultando em uma mistura não muito acertada para o disco, que apesar de pesado e interessante, era repleto de tantas referências distintas a ponto de dificultar entender qual era a personalidade do grupo. “Eu componho desde meus dez anos e nunca tinha gravado nada. Então foram 12 anos de influências caindo em 3 meses de composições. O resultado foi basicamente uma música pra cada lado, não tínhamos uma proposta definida até então”.
Para o primeiro álbum completo, a O Retrô Ativo procurou, então, lapidar essa enciclopédia de influências de maneira a chegar em um resultado mais original. Trechos mais pesados e mais diretos foram trabalhados, enquanto as letras passeiam em temas como existencialismo e crítica ao sistema de controle de drogas. “Acabamos aí tendo um ponto de partida de identidade, não sei se para a banda, mas com certeza para esse álbum que está por vir”, aponta o músico.
Entre canções ora cantadas em português, ora cantadas em inglês, a banda consegue trilhar um caminho não muito diferente do que outros grupos brasileiros já fizeram anteriormente, como os goianos da Violins, por exemplo. “A mescla de idioma é um fator mais de inspiração”, afirmam.
Oriundos de um estado onde a imigração participa ativamente do estabelecimento do perfil social da população, Rondônia oferece uma mistura de elementos culturais e sociais que a banda trata de levar para sua sonoridade. Outro ponto que poderia fazer diferença é a proximidade com a Bolívia, fator que, ao menos em teoria, deveria ser muito presente no estado, que possui uma extensa região fronteiriça com o país vizinho. “[Anteriormente] bandas bolivianas tocaram em Porto Velho. Hoje em dia essa integração acabou”.
UMA CENA QUE NÃO FAZ BARULHO
“A cena autoral do interior é praticamente inexistente”. É isso que afirmam categoricamente os integrantes do grupo. São fatores como este que impedem que cenas musicais distantes dos grande centros sejam fortes. “Na capital é um pouco melhor, existem mais casas de rock, porém, também voltadas a bandas cover”, afirma Yves. “As bandas que conseguiram público lá são poucas e acabam não tendo tanto espaço quanto as de tributo”, complementa.
Entre os inúmeros motivos apontados pelos músicos da O Retrô Ativo, falta de interesse do público e dos proprietários de casas de show ecoam não apenas em Ouro Preto do Oeste, mas em qualquer cena regional, e de maneira mais contundente nas menores. Contudo, como já dito anteriormente, mesmo em uma época em que a internet abriu espaços para o surgimento de novos veículos de comunicação, que poderiam discutir e oferecer fortuna crítica sobre artistas locais, esta não é uma realidade para os artistas de Rondônia. “Nem mesmo a Versalle, que é a maior representante da música feita aqui, tem o devido espaço nas rádios”.
Não por outro motivo, grupos como Versalle e Los Porongas migraram para São Paulo na primeira oportunidade que tiveram. “A indústria da música é no Centro-Sul”, aponta Yves, afirmando também que, em caso de sucesso na empreitada musical, esse deverá ser o rumo tomado pela banda. “Aqui não se sustenta com música autoral”.
NO RADAR | O Retrô Ativo
Onde: Ouro Preto do Oeste, Rondônia.
Quando: 2015.
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