Ainda que a grande concentração de universitários tenha se dado durante as décadas de 1970 e 80, La Plata ainda é considerada uma cidade universitária. Neste ponto aglutinador de argentinos e estrangeiros com as mais diversas visões de mundo, prontos para viverem experiências ímpares, encontramos a banda Fausto y Los Isotónicos. “La Plata é um lugar ideal para fazer arte.
Aqui, muitos jovens com novas ideias e propostas artísticas inovadoras se juntam, é lindo”, conta Fausto Benetti, a voz que do outro lado do microfone cria canções que passeiam pelo “rock-espacial-noise-indie”, “o que em La Plata nós conhecemos como um rock platense”, explica.
Com dois EPs (Canciones de Plaza Rivadavia e Fausto y Los Isotónicos) e um disco completo lançados (Con un Poco de Ayuda de Mis Amigos), o grupo platense une referências que já se tornaram ícones do indie feito nos anos 2000, como The Strokes e Arctic Monkeys, com o post-rock de Sigur Rós e o krautrock do Neu, sem esquecer dos conterrâneos do El Mató a un Policía Motorizado e do noise do Sonic Youth. “Sempre é muito difícil autodefinir-se, mas esses grupos são lugares por onde nos movemos. São como referências, mas sempre abertas”, conta.
A força da cultura em La Plata é inegável. Enquanto no Brasil as rádios costumam reproduzir os mesmos artistas e músicas, na capital da província de Buenos Aires a profusão de rádios independentes como a Radio Universidad chama a atenção.
Este cenário cria um contexto mais amistoso ao surgimento e fortalecimento de grupos, como conta Benetti. “Nós lutamos por uma lei sobre a música e conseguimos que os veículos sejam obrigados a passar uma porcentagem de música nacional, e nessa porcentagem também é obrigatório que haja bandas independentes”.
Do início do projeto em formato solo, quando Benetti dividia palco apenas com Juan Rodriguez e duas guitarras criollas, amparado em uma estética mais introspectiva, para esse momento “rock platense” foram três anos. “Tudo foi se encaminhando para que virássemos uma banda mais consolidada”, aponta o músico.
Se o que soava anteriormente mais folk foi deixado para trás, o som mezzo acústico ainda encontra espaço nas canções da Fausto y Los Isotónicos, como é possível notar no último EP, o homônino Fausto y Los Isotónicos, lançado em novembro passado. “Passamos a usar guitarra, mas é uma Epiphone Dot 335, uma guitarra semi-acústica” explica o líder da banda, que acredita que essa mudança tenha refletido na sonoridade do grupo, encaminhado-os a uma identidade melhor definida. “Acrescentamos alguns efeitos e pedais, mas sem nos distanciar das nossas raízes. Algo intermediário entre Violent Femmes e Sonic Youth”.
Há uma roupagem que flerta com o lo-fi nos discos da Fausto y Los Isotónicos, expressão sonora que fica mais evidente em composições como “Puedo Sentir” e “Vos”, ambas do álbum completo, Con un Poco de Ayuda de Mis Amigos (2015), uma singela brincadeira com a canção dos Beatles “With a Little Help From My Friends” (Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, 1967). Essa proximidade do íntimo que a banda propõe talha uma relação aglutinadora entre músicos e ouvintes, um convite ao mergulho no outro.
A MÚSICA LATINA E A CENA ARGENTINA
Enquanto os riffs ecoam na capital da província, uma efervescência cultural parece transbordar a cada esquina. Não é à toa este clima que toma conta da cidade. La Plata é fonte de grandes movimentos que lutam por políticas sociais e artísticas. Ainda por cima, foi lá que se passaram alguns dos julgamentos contra militares integrantes da ditadura argentina, responsável pela morte e desaparecimento de cerca de 30 mil pessoas entre os anos de 1976 e 1983. A escolha não se deu ao acaso: a cidade abrigava La Cacha, um centro de detenção clandestino e um dos principais locais de tortura à época.
‘Se os outros gostarem do que fazemos, ótimo. Se não gostarem, também. [A música] tem que fazer bem a nós mesmos’.
“É maravilhoso fazer música aqui. Assim como também me encanta a música latino-americana. Nós [latinos] somos muito valorizados no mundo todo. El Mató a un Policía Motorizado fazendo turnês pela Europa, o uruguaio Juan Wauters em Nova York, isso sem esquecer artistas como Sepultura, Gilberto Gil, Mercedes Sosa, Violeta Parra”, diz Benetti. “Sei que o rock dos Estados Unidos e da Inglaterra são muito influentes, por serem os criadores e porque a indústria da música os respalda. Mas sinto que não temos nada que invejar. E ao fim e ao cabo, arte é arte, ela é da humanidade para além de tudo”.
Quando pergunto se crê que a indústria da música é fechada aos grupos latinos que cantam em espanhol e português, Benetti disse não acreditar nisso. “De onde vejo, o rock nacional argentino é bastante apreciado, especialmente no México. O Brasil tem uma cultura musical assombrosa, como a Bossa Nova, por exemplo. As bandas latino-americanas estão rodando o mundo. O nível [da música latina] está altíssimo”.
Na contramão de uma infinidade de artistas sedentos pelo reconhecimento artístico, Benetti e sua banda andam no passo do provérbio “há mais tempo que vida”. “Fazemos canções, as tocamos, gravamos, convidamos os amigos aos shows, procuramos lugares para tocar, editamos os materiais, distribuímos em vários lugares como rádios e nos vendemos. Fazemos o que gostamos porque gostamos, e levamos a sério, mas sem nos tornarmos loucos pela fama ou por atingir mais pessoas”, afirma. “Se os outros gostarem do que fazemos, ótimo. Se não gostarem, também. [A música] tem que fazer bem a nós mesmos”.
Preparando a gravação de um segundo álbum completo, que incluirá uma canção feita em homenagem à apresentadora Xuxa Meneghel, a banda se mantém na ativa estreitando os laços musicais com a capital federal, Buenos Aires. Antes de encerrar nosso papo, Benetti deixa uma lista de sugestões aos que queiram mergulhar mais profundamente na cena contemporânea argentina. “Não deixem de ouvir Bestia Bebe, Hojas Secas, Guacho, Perez, Norma, Los Espiritus, Boom Boom kid, Prietto Viaja al Cosmo con Mariano, El Mató a un Policía Motorizado, Sara Hebe, Los Reyes del Falsette, Santiago Motorizado, Las Ligas Menores, Temporada de Tormenta, Super 1 Mundial e Los Cheremeques”. Opções para conhecer melhor a música dos hermanos é que não faltam.
NO RADAR | Fausto y Los Isotónicos
Onde: La Plata, Argentina.
Quando: 2014.
Contatos: Facebook | Bandcamp
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