Raissa Fayet é dessas cantoras capazes de trafegar por diferentes ritmos sem cacofonias ou tropeços. Dona de uma voz singular e um talento plural, seu segundo disco, RÁ, é uma deliciosa e interessante demonstração de evolução e amadurecimento artístico.
De seu primeiro trabalho, Raissa, a cantora e compositora curitibana traz os mergulhos nas raízes brasileiras entrelaçadas com um pop moderno e vistoso. Não obstante, essa relação se dá de forma alternativa.
RÁ tem toda a força da música pop contemporânea e abraça nuances das vastas sonoridades que se escondem sob a alcunha de MPB. Com uma veia autoral muito original, Raissa Fayet une, por exemplo, a delicadeza poética do lirismo de Adriana Calcanhotto com a potência vocal e energia rítmica de Daniela Mercury.
A obra da cantora curitibana, produzida por Christian Lohr – que carrega na bagagem trabalhos com Mick Jagger e Joss Stone –, leva o ouvinte a um passeio pelos rincões desta nação de dimensões continentais e faz questão de estabelecer pontes de diálogo com a fé, o amor e elementos culturais e religiosos de matrizes africanas, dando uma outra dimensão à sua musicalidade.
Fayet extrapola os limites puramente estéticos, descartando uma simples apropriação cultural e/ou musical e fornecendo contrastes significativos da influência menos cosmopolita no dia a dia de um ser humano pós-moderno.
Ainda que o pop seja a principal força motriz de RÁ, é na capacidade de concatenar ideias e sonoridades distintas de forma homogênea que o disco ganha corpo.
Ainda que o pop seja a principal força motriz de RÁ, é na capacidade de concatenar ideias e sonoridades distintas de forma homogênea que o disco ganha corpo, tornando-se produto de um universo múltiplo. Este jogo de sonoridades proposto pelo trabalho é pano de fundo para um resgate cultural e musical, com composições complexas, mas sem excesso de densidade de uma MPB mais dura, uma espécie de sincretismo musical.
Artista que caminha por diferentes linguagens artísticas, Raissa Fayet também apresenta um minidocumentário, fruto da junção de entrevistas e imagens do XIII Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. “São Jorge”, faixa de RÁ, foi inspirada neste lugar, vilarejo cosmopolita por onde artistas, intelectuais, aventureiros, amantes da natureza e praticantes de esportes radicais circulam, aproveitando a intensa agenda cultural e as várias cachoeiras que cercam a vila, espaço que guarda a entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, reserva ecológica de cerrado reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2001.
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Indiscutivelmente expansivo, como discos de outras cantoras da excelente geração de artistas que têm proposta semelhante ainda que com resultados diferentes – o cruzamento da MPB com as diversas variantes do pop, como feito por Tulipa Ruiz, Soledad, Mariana Aydar e Anelis Assumpção –, o trabalho de Raissa Fayet se permite fugir de requentar fórmulas e oferece ao ouvinte o aconchego nas doces poesias que emanam de sua marcante voz.
Madura, contemporânea e intensa, a obra da cantora possibilita que a conheçamos desenvolvendo um som menos hermético do que uma síntese de sua proposta indica e incrivelmente acessível aos mais variados públicos. Se fosse um gol, RÁ seria um gol de placa.