Um coletivo que une ritmos do Norte e do Nordeste com sonoridades caribenhas, africanas e norte-americanas. Essa é uma definição possível para o trabalho da banda Samuca e a Selva, de São Paulo, mas compreender melhor essa mistura exige mais do que um ouvido atento. Para além de uma fusão de sons, a obra do grupo, atualmente formado por dez músicos, é uma fusão de encontros, que tem como ponto de início Samuel, o Samuca, líder da banda.
Nascido em Guaratinguetá, interior de São Paulo, Samuel foi fisgado pela poesia na infância e, anos mais tarde, pela música. Quando o forró, gênero regional, ganhou popularidade no país inteiro, no início dos anos 2000, teve início a sua pesquisa musical. “Juntei uma turma de amigos de Guará e criamos a Chinela de Palha, que era uma banda de forró pé de serra. A partir disso, abriu-se um horizonte para conhecer a obra de grandes ídolos, como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, João do Vale, Dominguinhos, Zezum, Gil, Alceu, Caetano, entre outros geniais compositores da música nordestina e brasileira”, contou ele ao site Scream & Yell.
Com a mudança para São Paulo, ocorrida anos depois, é que surge a Selva. O nome, que evoca um ambiente rico de seres, foi escolhido para sintetizar a variedade de referências que acompanha o conjunto de nove músicos que completam o projeto, alguns deles saídos de grupos como Bixiga 70 e Orquestra Brasileira de Música Jamaicana. “É nesse caldeirão funcionando que mora o segredo da Selva. É muita gente aberta em termos de referência musical, e utilizamos isso a nosso favor. Cada um soma como pode, com o que tem e com o que aprende individualmente”, contou Samuca.
Ouvir o álbum Madurar pela primeira vez é se surpreender com a variedade de linguagens contidas ali.
O resultado desses encontros pode ser conferido no disco Madurar, o primeiro do grupo, lançado em 2016 com produção do tecladista da banda, Marcos Maurício. Em suas doze canções, fazemos um passeio pelo universo musical que eles vêm construindo. Na faixa homônima, “Madurar”, música de abertura, que fala sobre vivência e sobre crescimento, as referências do Nordeste dão o tom. Em “Detergente”, somos envolvidos pelo ritmo da salsa, enquanto a faixa seguinte, “À beça”, cantada em inglês e português, nos remete ao groove e ao soul norte-americanos. Já “Esperanza (bem vindo à selva)” é um afrobeat que conta com as participações de Thiago França, do Metá Metá, no saxofone, e Maurício Fleury, do Bixiga 70, no órgão. Ouvir o disco pela primeira vez é se surpreender com a variedade de linguagens contidas ali.
Além da sonoridade caleidoscópica, vale um destaque também para as letras, que oscilam entre as aventuras e desventuras amorosas e reflexões de cunho mais filosófico. Ora ou outra, soam quase como pequenas crônicas ou poemas, quem sabe resquícios do envolvimento literário de Samuca. “Nem banho de fonte/Nem baixo de ponte/ Bento quis ficar/ Foi com os trapo do corpo/ Com alma de morto/ Danou-se a andar /E andou/ Com sol em seu couro até dilacerar”, narra ele em “Pobre do Bento”. Em “Guará”, a referência é à cidade natal e o tom é de nostalgia: “Samuel, Samuel/ Já falei pra parar de reinar/ Vê se toma tenência Ô menino!/ Vê se doma potência/ Olha lá”.
O disco saiu, também, em formato vinil no ano passado, e a banda segue na divulgação do trabalho. Em maio, a faixa “Flores Raras” ganhou videoclipe.
Seguindo seus próprios caminhos, a banda não deixa de reverenciar a tradição da nossa música popular, mas isso não parece ser o objetivo final. É, sim, um trabalho que representa de forma natural a trajetória e as escolhas de seus integrantes e a variedade que brota disso. Em suas músicas, mais do que referências, estão as experiências dos encontros e também dos desencontros. Alguns desses, que só a música pode proporcionar. Vale muito ouvir.
NO RADAR | Samuca e a Selva
Onde: São Paulo, SP;
Quando: 2014;
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