Ao senso comum, sertanejo e bossa nova representam antíteses. Sem dúvida que há dificuldade em encontrar um ponto em comum entre os dois gêneros que, em tese, representam diametralmente seus opostos: o homem do campo e a boemia burguesa.
Sendo assim, como compreender o crossover entre a dupla sertaneja, Chitãozinho e Xororó, e o bossanovista Tom Jobim? Tal pergunta surge no momento em que os primeiros lançam o álbum Tom do Sertão e levanta a necessidade de uma reflexão mais profunda acerca das estratégias da indústria fonográfica no Brasil e dos artistas em sua pungente busca por reinventar-se.
Não há dúvidas que por trás do lançamento, há uma estratégia mercadológica muito bem definida (em dezembro de 2014 completou-se 20 anos da morte do melhor amigo do poetinha). Mas essa não é a evidência mor que reveste de marketing tal empreitada.
Os artistas da MPB – termo que diz muito mais sobre tudo que não se conceitua erudito o suficiente do que sobre algo representativo de um gênero ou sub-gênero da música – congelaram no tempo. Desde a audição do álbum, a pergunta que não se cala em minha mente é: o quanto Chitãozinho e Xororó estão frustrados com sua realidade?
Contudo, o que sobressai é a ‘necessidade desnecessária’ que artistas e gravadoras têm de massificar fenômenos populares, transformando-os em caviar para o deleite do público ao longo do tempo.
O que proponho é um olhar crítico ao cenário da música no Brasil em que os artistas, para sobreviverem à agonizante indústria fonográfica em tempos de pirataria, se entregam à incomplexidade de releituras, versões e tributos.
Em audição, Tom do Sertão não se mostra um álbum ruim. Pelo contrário. Toda a verborragia poética de Tom Jobim – incluindo músicas que fizeram sucesso em outras vozes, como “Se é por falta de adeus” (sublime na voz de Dolores Duran) e “Correnteza” (delicada e assertiva no timbre de Djavan) – está presente no álbum de 14 faixas.
O incômodo se dá pela pura e simplista adaptação à roupagem sertaneja, tornando-se uma trilha perfeita a qualquer novela sertanística da vênus platinada. Até o timbre carrascão da dupla é o mesmo que se encontra desde Galopeira (1970). O vibrato beira o exagero, caricaturando o próprio gênero. Em suma, o álbum se resume à apropriação das músicas e tão somente isto.
É bom deixar claro que o trabalho de Chitãozinho & Xororó é competente. A roupagem, se simplista, ainda assim adquiriu um quê do cancioneiro sertanejo. E se este era o desejo (como citado em entrevista ao semanário Fantástico da Rede Globo), a missão foi cumprida.
Contudo, o que sobressai é a “necessidade desnecessária” que artistas e gravadoras têm de massificar fenômenos populares, transformando-os em caviar para o deleite do público ao longo do tempo.
Como citado pelo crítico do portal Cinema e Artes, Gabriel Petter, quase todo o elenco de nossa dita música popular se verá frente à encruzilhada em que, fatalmente, será obrigado a prestar homenagens a alguma figura já consagrada no templo da MPB.
De Ivete Sangalo bossanovista (em dueto com Rod Stewart), passando por Lulu Santos (e seu álbum dedicado à dupla Roberto e Erasmo), a lista de tributos é extensa (e duvidosa). E nesta longa estrada da vida, Chitãozinho e Xororó não escaparam à regra.
A verdade é uma só: com mais de quatro décadas de carreira relativamente bem construída, a dupla prestou um desserviço à música. Eles não precisavam da verborragia poética de Tom, que por sua vez, não precisava dos vibratos dos sertanejos paranaenses.