Os caros leitores que por aqui ancoraram sem sobreaviso ou colete salva-vidas devem ter a consciência de que esse espaço é, acima de tudo, um vácuo a ser tomado, um nada a ser ocupado, um infinito a ser invadido e, principalmente, um direito a ser reivindicado. Simples assim.
Nada no mundo se dá de maneira solitária. Nada, de modo que seria impossível imaginar o teatro, arte coletiva e insubmissa, como algo que se resolve ou se significa diante do “eu”. Teatro é vida, é rua que corre solta pelas vielas de paralelepípedos, via de mãos diversas, e avessas, cuja a única possibilidade é reescrever a realidade através do sonho e da vontade de poder, de possivelmente existir. Produzir e acreditar no teatro é sempre resistir: é levar a cabo a violência e o delírio de se reconhecer artista antes que o mundo o convença do contrário.
Realizar teatro é zica, é fluxo de vida que encontra no palco a saída alumiada para a existência. É treta. Fazer teatro é sobreviver e resistir, e assim, entre o desencanto e o desespero, há um palco donde se é possível acreditar que a vida, além de ser bonita, vale a pena. Eu sei, doce engano esse nosso.
Fazer teatro é sobreviver e resistir, e assim, entre o desencanto e o desespero, há um palco donde se é possível acreditar que a vida, além de ser bonita, vale a pena. Eu sei, doce engano esse nosso.
É dose. Há tempos essa gente tão brava e valente, essa gente do palco, já não vive de seu oficio escolhido, além de não acreditar na possibilidade dos sonhos e do encanto. Com tanta opressão travestida de fuzarca, diante de tantos lábios fantasiados de lágrimas, os companheiros de borderô encontram-se vazios, crucificados entre uma lei de incentivo aqui e uma possibilidade de patrocínio acolá. É de foder, é feio, não dá, não rola. Se esperarmos do céu uma decisão, ou reivindicarmos do dos senhores da nação uma única resolução, estaremos definitivamente acabados.
Há no grosso da vida uma fantasia, um desejo travestido de possibilidade, donde se é possível enxergar toda a verdade de um país potente, e poente, que almeja apenas ressurgir. Quando vejo os companheiros de palco vivendo a miséria e o desencanto, quando vivo eu o desespero e o desconforto de ser uma estatística cravada na vida burocrática de pindorama, tudo dói mais. Mas, mesmo assim, a dor é algo que se esvai com o tempo. Passado o lamento e o choro, superados o medo e desconforto, o que sobra é coragem e vontade de fazer do futuro algo que seja possível imaginar.
A fantasia presente, essa fantasia definida por Ignácio Loyola Brandão, um imortal da academia, é uma fantasia que se acredita realidade. Mesmo diante do caos e do assombro é preciso que os camaradas do teatro se reconheçam como homens e mulheres imprescindíveis que acreditam no encanto de uma rua deserta donde se é possível forjar a fantasia e a insubmissão. Afinal, modernizar o passado é uma evolução cultural. O homem coletivo sente a necessidade de lutar e luta, por isso, e assim mesmo, continuamos na peleja em nome daquilo nem mesmo o mais improvável dos seres pode chamar de luta inglória. Venceremos.