O corpo não é só um corpo, um conjunto de órgãos, sangue e ossos. É instrumento de comunicação na dança, capaz de revelar toda a história cultural, social, psicológica e biológica[1] em cada um de seus movimentos.
Mas como conjecturar realidades quando a existência é negada ou posta, cotidianamente, à prova? Formada em 2018, a produtora cultural Coletivando Cia de Dança, criada por Luís Silva, junto a outros artistas e pesquisadores da área, tem tensionado, provocado e imaginado essas questões ao longo de sua existência.
Naízes, espetáculo mais recente do grupo, chega no próximo dia 9 de setembro ao Complexo Cultural Funarte SP, para uma temporada que se estenderá até o início de outubro. É a estreia nacional do projeto da Coletivando Cia de Dança.
Em cena, as representações do jovens periféricos, pretos e outros corpos que vivem à margem – aqui, compreendida sob diferentes perspectivas. No palco, Naízes coloca Luís Silva e Pedro Avlis entrelaçando e fundindo elementos de diferentes vertentes de danças urbanas, como waacking e hip hop, para debater (e relembrar) memórias e atravessamentos de corpos deixados sem perspectiva na sociedade e na vida.
‘Naizes’: as percepções sobre o corpo

Diferentes pensadores lançaram olhar para o corpo, entre eles o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, que exercitou reflexões a respeito da fenomenologia.
Se, como defendia Merleau-Ponty, quando algo se revela à consciência humana, nós primeiro observamos e percebemos aquilo em concordância com sua forma, do ponto de vista da sua capacidade perceptiva[2], também é necessário entender que a percepção é um fenômeno individual[3], construído a partir de processos de origem cultural.
Naízes dá voz a temáticas afro-diaspóricas, evidenciando todas as singularidades do corpo artístico dentro de um contexto adverso.
O individual e coletivo se mesclam no momento em que percebemos algo. A partir desse olhar, o trabalho de Silva e Avlis busca trazer aos olhos do espectador outras realidades, convidando-o a viajar por saberes, costumes e vivências características da população negra.
Seus corpos são emprestados ao objetivo – eles são a mensagem, ou como dizia Merleau-Ponty, forma e conteúdo são indissociáveis, uma unidade indissolúvel.
Naízes dá voz a temáticas afro-diaspóricas, evidenciando todas as singularidades do corpo artístico dentro de um contexto adverso. Se a realidade procura se impor perante a existência preta, o trabalho da Coletivando Cia de Dança procura ressignificar esses atravessamentos e, assim, gerar novas possibilidades.
Se na dança o próximo movimento é recheado de expectativa, percebendo-se alguns detalhes enquanto outros nos escapam, não haveria, então uma percepção neutra e imparcial da arte.
Contudo, a complexidade de linguagens e culturas dá espaço a que se explore a diversidade de ritmos e movimentos, indo além da antecipação e da própria ambiguidade de existir.
Naízes dá ao público um recorte muito interessante do pensamento de Merleau-Ponty: corpo é forma de expressão, pleno de intencionalidade e poder de significação[4].
Ao público, ser do qual não se escapa nem se indissocia, também, a dança, não se deve perder a oportunidade de compreender os gestos como perguntas, capazes de indicar pontos sensíveis do mundo, convidado-nos ao encontro.
SERVIÇO | Naízes
Onde: Complexo Cultural Funarte SP – Sala Renée Gumiel, Al. Nothmann, 1058, Campos Elíseos | São Paulo/SP;
Quando: de 9 de setembro a 1º de outubro, sextas e sábados, às 19h, e domingos, às 18h;
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada) | Bilheteria física abre 1h antes do espetáculo; vendas digitais na Sympla.
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[1] Denise Siqueira e Euler Siqueira em “O corpo que dança: percepção, consciência e comunicação”
[2] Ana Lucia Santana em InfoEscola
[3] Denise Siqueira e Euler Siqueira em “O corpo que dança: percepção, consciência e comunicação”
[4] Denise Siqueira e Euler Siqueira em “O corpo que dança: percepção, consciência e comunicação”
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