Trocando Em Miúdos: Cidades sem cultura agonizam a olhos vistos. Pode-se dizer que é possível mudar os rumos dramáticos de um descampado frio e sem almas? O teatro é a resposta para a sordidez e a impossibilidade humana. Ele leva ao outro em absoluta comunhão.
Para quem não reside em Campinas, interior de São Paulo (cidade onde este que vos escreve iniciou a carreira no Teatro), é necessário dizer que ela nunca foi pensada de acordo com o desejo. Herdeira dos Barões de uma figa, a “Cidade das Andorinhas” continua sendo um espaço insalubre que, além dos contrastes inerentes ao Capitalismo, é hostil a uma existência culturalmente livre. Flávio de Carvalho estaria puto com tudo isso.
Dentre os acontecimentos que comprovam isto está a ausência de uma cena teatral digna, coisa que de uma maneira ou de outra, afeta o Brasil como um todo. Ao que tudo indica, as possibilidades de locomoção, de encontro e de trocas (artísticas, eróticas, políticas e não tão somente mercadológicas) estão condicionadas por empresas não interessadas em fazer da cidade um pólo poético de relação com o outro. Em meio a um processo de destruição dos espaços públicos, estas cidades repletas de shoppings pensam a vida cotidiana sob o signo do privado e da repressão.
Repressão a quem, cara pálida? Aos trabalhadores, a juventude e aos artistas libertários. Isto não pode ser aceito, afinal, o que diferencia a locomoção de uma ovelha e a de um homem é que o segundo caminha sob o ímpeto da liberdade e não sob a vontade dos seus senhores (quem precisa de senhores?).
Glauber Rocha, cineasta maiúsculo tupiniquim, expressa o transe político de toda América Latina em lugar fictício: Eldorado. Eldorado tem muito de Brasil, é evidente, mas mostra algo comum a todos os países que encontravam-se em situação parecida. Do mesmo modo, Campinas, a cidade dos barões reencarnados, povoa meu inconsciente e meu texto, no entanto, a situação cultural anêmica não é privilégio da cidade do maestro Carlos Gomes e sim, sintoma que assola todo o país, como sabemos.
André Breton e Guy Debord, Pajés de primeira grandeza em nossa tribo de antropófagos, falaram sobre a cidade enquanto um espaço para se entregar à deriva, à imaginação e a paixão. Pois é. Um dos papeis do teatro deveria ser também este: iluminar os indivíduos em direção ao seu devaneio, ao seu amor, aos seus amigos, a produção cultural de uma outra existência.
“Um dos papeis do teatro deveria ser também este: iluminar os indivíduos em direção ao seu devaneio, ao seu amor, aos seus amigos, a produção cultural de uma outra existência.”
São incalculáveis os prejuizos econômicos e espirituais causados pela inanição artística e pela destruição sistemática dos espaços de encontro e de produção cultural independentes. Devemos estar atentos ao fato de que o problema cultural e o problema político são partes integrantes de medidas autoritárias, que pensam o espaço urbano para ratinhos de laboratório.
Os artistas verdadeiramente revolucionários – situados nas diversas partes da cidade – devem iniciar um processo de resistência, caso contrário as nossas criações ficarão restritas à tela do micro e às panelinhas privadas. Não nos limitemos a idéia burguesa de um centro de convivência cultural, mas avancemos na criação de centros de convivência contraculturais, onde possamos contar com possibilidades de transgressão através da arte do encontro que só um espetáculo teatral, de corpo presente, pode oferecer.