Nos últimos dias, como nos últimos meses, o governo de Jair Bolsonaro foi notícia ao redor do globo por conta de seu tropeços, tão grosseiros e inaceitáveis quanto a postura de seus representantes. Um dos muitos fatos que figuraram os jornais nacionais e internacionais foi a participação de Roberto Alvim, ecretário da Cultura do atual governo, na reunião anual da Unesco, ocorrida em Paris no dia 19 de novembro.
Numa clara demonstração de intolerância e despreparo, gerando espanto e revolta nas delegações estrangeiras, Alvim usou toda a sua falta de educação para envergonhar o Brasil em um organismo internacional de cultura. Mas se enganam aqueles que tratam o episódio como uma simples gafe. Roberto Alvim, do alto de sua soberba, chafurda na lama da desonestidade e demonstra estar completamente alinhado ao projeto de destruição cultural proposto pelo atual governo.
Numa performance vergonhosa, Alvim falou em nome de Deus e de seu presidente, mas, é preciso deixar claro, nunca falará em nome da cultura brasileira. É fato que resistimos, mas para compreender o quão nocivo e canalha é o atual secretário é preciso primeiro compreender o que é a cultura para o governo Bolsonaro.
Desde de o início do atual governo, ficou claro que a cultura não seria apenas deixada de lado, como muitos pensavam, mas sim combatida como uma peste por ele e seus asseclas. Aliás, a ojeriza do governante miliciano com os artista e a cultura nacional é um fato público desde antes de sua eleição. Em sua carreira de deputado, o capitão sempre deixou claro o seu despreparado e ignorância em relação a tudo o que não diga respeito à destruição, o mau agouro e à desfaçatez.
Tal qual um primata irracional e faminto diante de um banquete, Bolsonaro e sua trupe caem de boca, com garras à mostra, nas sobras do país que insistem em devorar dia a dia. Seu governo fala por si: um ministro da educação que é inimigo das universidades públicas e dos professores, uma ministra da mulher, da família e dos direitos humanos absolutamente desumana e desvairada, um ministro do meio-ambiente conluiado com pecuaristas e garimpeiros, um presidente para a Fundação Palmares que, embora negro, não se furta em minimizar publicamente o peso da escravidão e do racismo em nossa alma e assim por diante.
Nessa distopia política que assombra o Brasil, seria ingenuidade pensar que com a cultura a coisa poderia ser diferente. Não é. A nomeação de Roberto Alvim para a Secretaria da Cultura, cargo mais alto depois da extinção do ministério promovida pelo presidente, não soou apenas como desdém, mas como declaração de guerra a todos os trabalhadores da cultura e ao público em geral.
Um homem a serviço do horror
Entre os que acompanham essa coluna, já é sabido que Roberto Alvim nem sempre personificou o ataque à cultura. Num passado tão distante quanto, Alvim foi um dos mais interessantes e inventivos diretores de teatro do país. Por conta de um milagre, o homem de teatro tornou-se porta voz do ódio e abraçou em praça pública a estupidez enquanto método e a mentira enquanto aliada perene.
A nomeação de Roberto Alvim para a Secretaria da Cultura, cargo mais alto depois da extinção do ministério promovida pelo presidente, não soou apenas como desdém, mas como declaração de guerra a todos os trabalhadores da cultura e ao público em geral.
Assim, meio de repente, Roberto passou de um artista genial a um garoto bobo e genioso, movido por uma sanha inexplicável que insiste em usar para tentar, sem sucesso, desqualificar e rebaixar artistas que são infinitamente maiores do que a sua capacidade de compreensão de mundo.
Sua coleção de grosserias é tão infinda quanto a sua disposição para lamber e lustrar a imagem daqueles que hoje o patrocinam, basta dizer que há tempos atrás, quando ainda ocupava cargo na Funarte, numa demonstração de indelicadeza, pra dizer o mínimo, chamou a atriz Fernanda Montenegro de sórdida e mentirosa. O resultado? Ao invés de ser repreendido, em nome do bom senso, ganhou uma promoção, um salário ainda mais gordo e a missão imunda de representar o pior papel de sua vida: o de inimigo da cultura nacional. Aceitou de bom grado, é claro, com o bolso cheio e a história vazia, como era de se esperar de gente desse tipo.
Porteira fechada e chagas abertas
Quando da nomeação de Roberto, diante das reclamações do país, Jair Bolsonaro se limitou a dizer que os artistas deveriam ficar felizes e que Alvim assumiria o cargo de porteiras fechadas, com aval para nomear quem quisesse e fazer o que bem entendesse. O tom era de deboche, é claro. Bolsonaro pode parecer um imbecil mas está longe de o ser.
O atual presidente do Brasil sabe muito bem o perigo que a cultura representa a governos fascistas como o dele, por isso insiste em fazer chacota pública enquanto trama planos obscuros para aparelhar e minguar a verba destinada aos artistas. Alvim assumiu o cargo substituindo o economista Ricardo Braga, prometendo agir em nome de Deus enquanto trama planos com o diabo. E assim o fez, faz e fará, caso não nos levantemos contra sua investida que mira o horror.
O horror aliás pautou sua participação no último dia 19. Ancorado na justificativa absurda de uma “homogenia esquerdista”, utilizando termos como “marxismo cultural”, sabidamente vazios como sua cabeça intolerante, Roberto Alvim discursou em Paris munido da arrogância de todo Bolsonarista e apenas disso. Não disse coisa com coisa, ofendeu, fez malabarismos históricos e ideológicos para justificar sua insensatez e saiu de lá ainda menor do que chegou, coisa que até então parecia impossível. Envergonhou o Brasil, é fato, mas foi atacado firmemente por aqueles que sabem o quanto a nossa cultura é vivaz, independente e imprescindível à nossa nação e ao mundo. A bem dizer, no fim das contas a vergonha ficou legada a ele, ao governo que representa e às suas ideias absurdas.
Assim como as porteiras, as chagas também estão abertas e artistas e público não aceitarão mais a proibição, a censura e a tortura, que nem sempre precisa ser física para ser eficaz, enquanto métodos. Os filhotes da ditadura serão estraçalhados em praça pública sempre que for necessário, graças aos deuses.
À primeira vista, Roberto Alvim parece insignificante, mas não pode ser tratado como tal. Sua nomeação, a maneira como trata os artista e, principalmente, suas ações, representam um perigo tremendo para o país e a democracia representativa que vivemos. O mesmo secretário que acusa governos anteriores de se beneficiarem de verbas públicas nomeou sua esposa para um cargo de confiança, voltando atrás quando da divulgação do caso.
O mesmo dramaturgo que insiste em dizer que a esquerda tentou criar uma hegemonia artística pretende criar uma companhia pública de teatro, com dinheiro público, para montar aquilo que bem entender sem dar satisfação a ninguém sobre isso. É, como se vê, um exponente desse governo cretino que representa: aponta nos outros os crimes que comete, usa a máquina pública em benefício próprio e mente descaradamente quando suas reais intenções são descobertas.
Roberto Alvim é tão dissimulado, prepotente e despreparado quanto seus senhores e por isso é preciso que continuemos atentos e fortes: enquanto houver luta, haverá esperança. Roberto Alvim não representa a cultura de nosso país e nunca representará, a não ser que entreguemos de bandeja o nosso chão pra essa gente que insiste em oferta-lo, numa bandeja de prata e fel, aos abutres que atentam contra o Brasil.