Em 2012, a revista de literatura Granta, publicou uma edição chamada “Medidas Extremas” e entre os colaboradores estão Roberto Bolaño, Alice Munro, Don DeLillo e Stephen King. Os autores escrevem sobre situações-limite e situações de risco. As temáticas, em sua maioria, são a loucura, a morte, o sexo e a doença. O livro serve, aqui, para nos fazer pensar sobre essas situações-limite. Elas parecem se tratar de um espaço entre: não há certeza se haverá um depois, mas, definitivamente, isso não é como era antes. Transitoriedade e finitude, ao mesmo tempo. O humano, passível de mudança e, também, passível de morte.
É, no entanto, tão curioso quanto frequente ver algo ser adjetivado como “humano”, simplesmente. A evocação da palavra comumente pretende designar a crueza do que a gente é. O fator humano parece vir à tona em momentos em que as coerções, as máscaras e os eufemismos que tornam a vida em sociedade possível são descartados. Esquecendo o fato de que todas as coisas as quais criamos são, de algum modo, humanas, temos isso: a confirmação de que esse “humano” ao qual nos referimos, às vezes, é sinônimo para “bicho” – coisa que tentamos, desesperadamente, fingir que não somos.
Ainda que todos dividam a espécie, ser humano não é garantia de identificação geral. Ser humano não é suficiente. A nossa empatia é seletiva e de nada tem a ver com o entendimento racional. Não se sensibilizar com alguém não significa não compreender a situação de alguém. Terry Eagleton, em uma obra chamada A Ideia de Cultura, disse:
“Não é cessando de ser eu mesmo que compreendo você, pois nesse caso não haveria ninguém para efetuar essa compreensão. E sua compreensão de mim não é uma questão de reduplicar em você mesmo o que eu estou sentindo, uma suposição que poderia muito bem levantar questões espinhosas sobre como você consegue ultrapassar a barreira ontológica entre nós dois. Acreditar nisso é presumir que estou em perfeita posse de minha própria experiência, sou luminosamente transparente para mim mesmo, e o único problema é como poderia você ter acesso a essa autotransparência. Mas eu não estou, de fato, em plena posse de minha própria experiência; posso, às vezes, estar bastante enganado acerca do que estou sentindo, quanto mais pensando; você pode muitas vezes compreender-me melhor do que eu mesmo; e a forma pela qual você me compreende é em muito a forma como compreendo a mim mesmo. Compreender não é uma forma de empatia.”¹ (EAGLETON, 2011, p. 74-75)

A peça Trilogia: Quarto, Saída, Elevador, dirigida por Humberto Gomes, faz suscitar uma pergunta bastante difícil de ser respondida: “O que, exatamente, faz com que eu me identifique com outro alguém?” (no caso, ainda, um “alguém ficcional”, cuja presença é performada).
As cenas parecem esbarrar no contraste existente entre o entendimento e a empatia. Não há dificuldade em entender o que acontece ali, mas se torna difícil permanecer solidário com aquelas figuras.
A trilogia, que me parece ser entendida enquanto a encenação de três textos entrecortados, pretende reverenciar “as relações humanas em seu dia-a-dia, expondo os indivíduos e as suas fragilidades”. Para isso, os textos de Airen Wormhoudt, Humberto Gomes e Roberto Freire criam embates sempre entre duas figuras, diferentes entre si, unidas por uma ocasião desconfortável.
O que se vê, supostamente, são situações que se iniciam de formas inesperadas, se desenvolvem com algum nível de tensão, têm um clímax e se encerram de modo ainda mais surpreendente do que quando começaram.
As cenas parecem esbarrar no contraste existente entre o entendimento e a empatia. Não há dificuldades em entender o que acontece ali, mas se torna difícil permanecer solidário com aquelas figuras. Isso, talvez, porque o ambiente de ficção criado resulta em uma constante perda de efeito. Não há continuidade e, depois um tempo, nada parece ser tão surpreendente assim. Os textos, reconhecíveis em todos os seus detalhes, parecem uma porção de lugares-já-visitados. O drama, o conflito, a principal questão, é, antes de tudo, algo a ser dito e, diferente do que se espera, bem pouco a ser vivido.
A trilogia sustenta-se em contínuos blecautes. O jogo é apagar e acender a luz. As “três peças” são unidas apenas pela temática e pela divisão do espaço. A aparente importância que o espaço físico e que a arquitetura têm no projeto, aliás, se perde em uma utilização pouco radical. A forma de usar a casa Hoffmann, apresentada como “alternativa”, tenciona apenas poucas potencialidades do espaço, antes já exercitada pela companhia, em outros locais de apresentação (parte do que foi essa peça, em anos anteriores foi apresentada dentro de um elevador e em uma escada de emergência).
SERVIÇO | Trilogia: Quarto, Saída, Elevador
Onde: Casa Hoffmann – Centro de Estudos do Movimento – R. Claudino dos Santos, 58 – São Francisco;
Quando: De 20 a 24 de abril, às 18h e 20h;
Quanto: Entrada franca
¹ EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011.