Sororidad, hermandad entre mujeres. Foi com essa frase estampada em sua camiseta que a artista e ativista feminista Pamela Palenciano, autora do monólogo No solo duelen los golpes, se apresentou diante de artistas e público no ato organizado pelo Teatro del Barrio em solidariedade aos ataques sofridos por Palenciano nas redes sociais.
Era o ínicio do mês de junho. Alguns dias antes, a deputada fascista Alicia Rubio, eleita pelo Vox, partido da ultradireita espanhola, tuitou um trecho da peça de Pamela completamente descontextualizado. Na mensagem publicada em suas redes sociais, Rubio acusava Pamela de “doutrinação ideológica” e “violência contra crianças e adolescentes”.
Não é preciso dizer que bastou isso para que uma horda de seguidores começassem uma série de insultos e ameaças direcionados à artista. Em nome da moral, ela deveria ser estuprada. Em nome da ordem, precisava ser morta. Pamela teve sua vida vasculhada, sua paz arrancada a fórceps e até a sua família foi vítima de ataques. Eles fizeram de tudo, tentaram de tudo, mas Pamela não é dessas mulheres que se deixam intimidar facilmente e a prova disso é a sua própria história.
Nascida em Andújar, na província de Jaén, comunidade autônoma de Andaluzia, Pamela Palenciano provou desde cedo o gosto amargo da violência. Dos doze aos dezoito anos, Pamela viveu no inferno. Vítima de violência física e psicológica praticadas pelo seu então namorado, incluindo duas tentativas de homicídio, Palenciano só conseguiu romper sua relação quando decidiu mudar de cidade para iniciar seus estudos na Universidade de Málaga. Isso, é claro, também não foi tarefa fácil.
Foi nessa mesma época que a escritora e comunicadora percebeu o quanto sofreu e foi violentada no relacionamento e decidiu começar um acompanhamento psicológico. Das sessões, Pamela não extraiu apenas o título de seu monólogo, mas também o gosto pelo pensamento de autoras feministas.
Entrou em contato com diversos grupos e através do movimento entendeu que seu caso não era um caso particular, tão pouco um caso isolado, mas sim um problema global, resultado de uma sociedade patriarcal, machista e misógina. É a partir desse momento, e através dessa compreensão, que sua dor, seus anos de tragédia, transformaram-se no combustível de sua revolta.
Querida @nosolopam, somos muchas las que estamos a tu lado, sabemos lo necesario que es tu monólogo en institutos y colegios para educar en igualdad y erradicar las violencias machistas. Contigo compañera ✊🏻💜
— Irene Montero (@IreneMontero) August 24, 2021
No sólo duelen los golpes
Um relato íntimo, cru e autobiográfico sobre violência de gênero. Usando mão ora do humor, ora da ironia, o monólogo de Pâmela Palenciano nem sempre foi interpretado no palco. De início, foi uma exposição fotográfica, mais tarde uma espécie de seminário sobre prevenção de violência e, por fim, uma obra teatral.
Um relato íntimo, cru e autobiográfico sobre violência de gênero.
O mito do amor romântico, violência ocultas, ciúmes, controle; toda a experiência de viver ao lado de um agressor diariamente está escancarada nas palavras, na voz e no corpo da artista. Explicar como a violência é gerada, como cresce e se instala na relação, esse é o legado do monológo de Pamela, que já foi apresentado mais de sete mil vezes e percorre o mundo há 18 anos passando por países como México, El Salvador, Colômbia, Argentina, Guatemala e Nicarágua, além de servir como programa contra a violência na Austria e na Coréia do Sul e ter rodado praticamente todo o território espanhol.
Porém, nem tudo são flores quando o assunto é resistência. Apesar da necessidade óbvia de dar voz a Pamela, e a todas as mulheres que sofreram e que ainda sofrem caladas, ainda há no mundo gente que tente justificar ou minimizar o horror. Do alto de seus privilégios, homens brancos e poderosos, muitos deles com cadeira na assembleia do país, travam uma cruzada asquerosa e tentam calar e criminalizar a voz de Pamela.
O mesmo sistema, seja ele o jurídico ou prisional, que lhe virou as costas enquanto vítima, agora a persegue enquanto artista e militante. Poucos dias depois da deputada Alicia Rubio publicar a sua fake news, a Assossiação de Homens Espancados da Espanha entrou com uma queixa contra Pamela e seu trabalho. Não foi a primeira vez que isso aconteceu, é bem verdade.
A artista já havia sido denunciada outras duas vezes por conta de seu monólogo. A primeira delas no ano de 2017, a segunda em 2019, ambas feita pos grupos e associações de homens poderosos, brancos, alguns com extensa ficha criminal relacionada a sonegação de impostos e violência. Nos dois casos, as denuncias foram arquivadas.
Em janeiro de 2020, mais uma violência: a Unidas Podemos convidou a atriz para representar sua peça na Assembleia de Madrid e o então presidente da câmara, Juan Trinidad, negou a autorização alegando que ali não havia teatro, apenas reclamações e preconceito contra os homens. Guerreira de seu tempo, a atriz não se deu por vencida e fez o prólogo da peça nos portões da Assembleia ao lado de gente que, como ela, não apenas acredita como também cultiva a liberdade.
Pois bem, no último dia 4 de junho veio a verdadeira pancada: o tribunal número 15 de Madrid, representado por um Juiz com o perfil dos homens que perseguem e tentam calar Pamela, aceitou a queixa da Associação dos Homens Espancados e admitiu a tramitação do processo. No próximo dia 15 de setembro, a Justiça colocará a artista Pamela Palenciano no banco dos réus, exigindo explicações a respeito de sua obra.
Daqui, com as mãos atadas e o coração apertado, presto solidariedade à artista e militante Pamela Palenciano, e torço para que a classe artística e toda população espanhola se unam para impedir outro ato de violência contra Pamela e todas as mulheres que sofrem na pele esse horror. Se não é possível acreditar ou confiar na justiça estabelecida, sempre de cabeça baixa aos interesses e vontades dos mais poderosos, ainda podemos confiar na ação direta, na força coletiva daqueles que, oprimidos, reconhecem na revolta o caminho da libertação. #YOCONPAMELAPALENCIANO