É chover no molhado dizer que a edição 23 de Big Brother Brasil foi extremamente flopada. Depois de alguns anos com uma espécie de resgate dos tempos áureos, em que o programa parecia ser um evento cultural central na conversação dos brasileiros, o reality show dá a impressão de mais uma vez ter batido numa parede que ainda não sabe como atravessar.
O fracasso da edição está nos números: segundo dados do Kantar Ibope, a final do programa teria sido a menos assistida de todos os tempos, batendo o recorde negativo da edição 14. Foram 19,5 pontos de média no último dia do reality.
Para que uma edição “dê certo”, nós precisamos imaginar que o reality show está se conectando com temas do Brasil e que está realmente valendo a pena pensar, falar e fazer conjecturas sobre ele.
Audiência é um elemento importante para avaliar o resultado do programa, mas não é o único. A quantidade e a qualidade da repercussão online também são fundamentais, uma vez que o BBB só faz sentido na Globo à medida que “cola”, ou seja, se torna um tema presente nas conversas cotidianas, produzindo um engajamento tanto digital quanto presencial. Para que uma edição “dê certo”, nós precisamos imaginar que o reality show está se conectando com temas do Brasil e que está realmente valendo a pena pensar, falar e fazer conjecturas sobre ele.
O BBB 23, pode-se dizer, até que iniciou bem, uma vez que trazia personagens constituídos por aquele material essencial para as personas midiáticas: o carisma, essa espécie de je ne sais quoi que ninguém entende muito bem mas que aponta à capacidade de alguém de atrair a atenção sem que seja de uma forma forçada. Gente como Fred Nicácio, Domitila e até Cezar Black conseguiram angariar o amor e a repulsa necessários para que alguém se torne um personagem crível e sobre o qual queremos saber mais – nem que seja para odiá-los.
Mas, como muitos críticos já apontaram, o que ocorre ao BBB é um problema seríssimo: ele foi “sequestrado” pelas torcidas engajadas e dispostas a ir até o inferno para defender o seu candidato. São pessoas que mobilizam forças, tempo e até dinheiro para fazer campanha e votar na plataforma do Gshow para que seu brother permaneça no programa.
Os profissionais do marketing tendem a entender que esta torcida apaixonada, os “advogados” da marca, são sempre os mais valiosos e que devem ser cultivados. Contudo, no caso do Big Brother Brasil, esta camada traz um impasse para a Globo: ela tem distorcido os resultados do programa para caminhos questionáveis aos olhos do grande público, conforme bem mostram os índices de audiência da edição.
O problema enfrentado pela emissora, como escreveu o colunista Tony Goes, da Folha, é que tivemos uma edição que premiou “fulana, beltrana e sicrana” – ou seja, pessoas que não construíram narrativas relevantes e, por isso, ninguém se importa com elas.
A vitória de Amanda
A paranaense Amanda Meirelles sagrou-se vencedora, em um resultado que já havia sido cantado por muita gente. A defesa de sua torcida, autointitulada DocShoes, é a de que Amanda seria uma pessoa comum, “gente como a gente”, alguém fora do padrão (o que é bem questionável em vários aspectos).
Em suma, sua defesa se deu em cima da ideia de que ela não seria um personagem televisivo, mas ela mesma (a autenticidade, como já foi dito tantas vezes, é a moeda mais valiosa do BBB). Contudo, confunde-se aqui autenticidade com falta de carisma, e talvez possa se dizer que Amanda venceu por WO. Sua torcida tirou todos os demais da reta, e fez com que ela ganhasse por ausência de outros concorrentes.
Concordas? #BBB23 pic.twitter.com/M5X4WRSGK5
— Chico Barney (@chicobarney) April 26, 2023
Ao participar do Mais Você, com Ana Maria Braga, já ficou claro que Amanda está desde o primeiro minuto que saiu do BBB sendo formatada para tentar assentar sua imagem como menina atrapalhada e simpática com quem qualquer um pode se identificar. Ela tem aparecido fazendo dancinhas constrangedoras (aparentemente, a única coisa que a destacou na edição) e fortalecendo uma identidade de uma Bridget Jones atualizada (conspira a isso também um elemento a mais, de que ela claramente se interessou pelo participante Cara de Sapato, mas nada ocorreu entre eles).
A defesa de Amanda como pessoa comum é falha justamente por perder de vista de que ser “personagem”, palavra sempre citada com desprezo pelos participantes deste reality show, não é um ônus, mas uma característica especial e necessária para que alguém seja matéria prima para a televisão. Resta acompanhar como a Globo vai lidar com tudo isso nas próximas edições.
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