A nova edição 2017 do Big Brother Brasil está de volta, para descrença e desespero de muitos, que a cada ano duvidam da longevidade do “programa sobre nada”. Há um desafio e tanto enfrentado pela Globo anualmente, que é o de continuar gerando atração por meio desse programa que se sustenta em muito pouco: basicamente, são apenas pessoas interagindo, falando sobre si mesmas e gerando “material humano” para que nós, os espectadores, tiremos nossas próprias conclusões.
Assim, após dezessete edições, as atrações surgem dos detalhes: primeiro, por um bom elenco de “pessoas reais”, e em segundo lugar, por alguma mínima inovação nas regras já conhecidas – tanto por parte de nós, espectadores, quanto pelos próprios participantes (já que são tantas edições que eles parecem sempre achar que sabem “jogar o jogo” da vitória).
Há ainda pouco para se debater, mas seguem abaixo impressões desta primeira semana do programa:
– A edição 2017 começa arriscando algumas novidades, a qual destaco a mais evidente: depois de muitos anos, o programa troca o seu apresentador, Pedro Bial (um jornalista de carreira consolidada que acabou se tornando sinônimo de BBB) por uma voz e uma cara mais jovens, de Tiago Leifert. Mesmo com alguns anos de Globo, Leifert continua sendo uma espécie de estrela em ascensão na emissora, com uma presença bastante forte e influenciadora – já se falou inclusive de uma suposta “tiagoleifertização” do jornalismo, ou seja, uma reconfiguração de estilos narrativos do jornalismo de TV a partir da figura despojada deste repórter.
Não se sabe ao certo o que levou Bial sair da fachada de sua “casa global” (uma retomada de uma carreira de maior reputação, talvez?) mas, pelo que já se viu, a escolha parece acertada. Ainda que já possua uma certa superexposição de sua imagem (e já esteja consolidando um sólido caminho na apresentação de programas de entretenimento), Leifert faz jus ao que se espera dele: consegue revelar jogo de cintura e um certo “gingado” conectado com a linguagem dos millenials, este novo rótulo hoje dado aos jovens educados e familiarizados com a linguagem digital antes que a televisiva. Inclusive, é bastante provável que esta geração já tenha mais intimidade com Leifert que nós, os “analógicos”, por meio de sua narração na versão brasileira do jogo Fifa.
– Os millenials, aliás, parecem estar no alvo do BBB. Pode ser uma forma de tentar cativar gerações futuras, que cada vez assistem menos à televisão, para garantir a sobrevivência do programa. Muito do que vemos parece ser pensado para eles: os cenários, as dinâmicas, a tentativa (até o momento, meio constrangedora) de trazer os memes para a TV por meio da participação de Rafael Cortez. Usou-se também a estratégia de abrir o episódio de abertura do programa com a entrada de dois pares de gêmeos, os quais são escrutinados pelo público na primeira semana do programa. Numa dinâmica meio “Ruth e Raquel” (gêmeo bom e gêmeo mau: que gênero mais batido!), somos convidados a avaliar os semelhantes para tomar a decisão de quem “merece” permanecer na casa.
Ocorre que esta primeira semana serviu mais para suscitar a vontade de expulsar os gêmeos do que a de querer defender sua permanência. A partir destes personagens (especialmente os garotos, Antônio e Manoel – as gêmeas gaúchas são mais articuladas), só conseguimos chegar a uma conclusão: os millenials parecem rasos como pires (um deles tem um odioso vício de linguagem de acrescentar “tipo assim” em todas as frases) e suas dinâmicas geram zero interesse a quem não tem a mesma idade deles.
O primeiro dia do BBB, em que apenas os quatro gêmeos foram apresentados, foi pífio. Nos dias seguintes, a matéria prima do programa começou a germinar, o esperado valor de conversação: os gêmeos começaram a mancomunar contra outros oponentes, deixando explícitas as suas limitadas linhas de raciocínio (e reforçando o jogo esperado pela produção: quem é Ruth e quem é Raquel?).
Os millenials parecem estar no alvo do BBB. Tudo parece ser pensado para eles: os cenários, as dinâmicas, a tentativa (até o momento, meio constrangedora) de trazer os memes para a TV por meio da participação de Rafael Cortez.
– Um acerto da edição: uma ênfase na inclusão de certos grupos sociais. Há um esforço claro por tentar refletir as discussões que circulam no mundo lá fora. Destacaria, primeiramente, duas presenças: a de Roberta, que é conhecida entre as mulheres que mobilizam o movimento plus size, de aceitação (inclusive midiática) de pessoas que não se encaixam nos padrões de peso; e de Marinalva, que é paratleta.
Roberta se posiciona por meio do humor, da brincadeira e do escracho, por meio de frases engraçadas – o que sugere, ainda que a intenção seja boa, uma certa reiteração de algo que as pessoas consideradas fora do peso combatem, que é a tecla de que precisam ser bem-humoradas para ser aceitas. Já Marinalva, por enquanto, é discreta, mas sua participação é importante. Sua presença constante exibindo sua prótese de alta tecnologia (semelhante à usada pelo corredor Oscar Pistorus) deve ser um elemento que ajuda a naturalizar, junto ao público, a visão sobre a vida das pessoas com deficiência.
Vale lembrar que os reality shows do estilo do Big Brother Brasil, em que a matéria central é a interação espontânea entre os participantes (e não, por exemplo, a mediação feita pela produção), são perfeitos para que certas questões sejam discutidas pelo público. Uma vez que cabe aos brothers representarem a si mesmos e posicionarem-se, o conteúdo posto na tela parece mais real (embora, como sabemos, muitas vezes não seja). Por isso, talvez a contribuição destes personagens seja mais importante. O fato de que Marinalva tematiza pouco a própria deficiência, ao contrário do que pode parecer, talvez seja ainda mais relevante, pois ela mostra que é possível ter uma vida como qualquer outra.
– Outra “minoria” no jogo, Ieda, a participante mais velha de todas as edições (tem 70 anos) é intrigante. Ao mesmo tempo que representa a “cota” dos idosos (lembrem-se que já tivemos vários, como Geralda, na última edição), ela se nega a desempenhar o papel clássico do velho que atrai pela peculiaridade, ao estilo daquela narrativa do “Shit my dad says”. Ela tem 70 anos, aparenta muito menos e parece querer participar de igual a igual com os jovens, inclusive os millenials.
– Já a baiana Gabriela Flor expõe outra regra implícita deste jogo: a “casa mais vigiada do Brasil” não é o território para os introvertidos, os quais tendem a ser hostilizados pelos demais. As razões para isso talvez seja a compreensão profunda das táticas por conta dos próprios participantes. Assim, eles temem os que querem se “fingir de samambaia” como uma estratégia de sobrevivência. É como se dissessem: se topou entrar aqui, faça que nem nós, e venda sua alma para o público! De fato, o BBB não é um lugar adequado para quem quer tirar férias tranquilas.
Gabriela dança muito, sorri raramente, fala pouco, e, nas vezes que fala, soa meio desencaixada, algo arrogante. Neste sentido, a antipatia alheia pode ajudá-la a permanecer no programa – o que será de grande interesse da narrativa, já que ela tem potencial para uma personagem instigante.
E assim segue esta edição número 17, ainda morna, mas com o mesmo potencial para gerar muita conversação – paradoxalmente, sobre nada e sobre tudo – entre aqueles que o assistem. Não precisa de muito para isto. E BBB continua sendo este programa que todos adoramos odiar, mas do qual dificilmente escapamos.