Talvez haja poucos desafios tão grandes à televisão do que conseguir falar com o adolescente – e não para o adolescente. Explicando de outra forma: existe uma grande dificuldade quando a televisão resolve falar com o jovem, pois há sempre um forte risco de que os programas soem artificiais, tímidos, ou – talvez o pior de tudo – excessivamente pedagógicos, professorais. Quase como se houvesse uma espécie de vício de imaginar que, quando se fala para o público juvenil, é preciso sempre ser responsável e passar algum tipo de lição moral.
Pode ser esta a razão que faz com que alguns youtubers se tornem tão populares. O segredo (pelo menos daqueles que efetivamente fazem sucesso e estabelecem vínculos com seu público) talvez esteja na conexão que eles conseguem manter com os adolescentes, em uma relação que se estabelece de igual para igual, e não de cima para baixo, como alguém que fala de um lugar de superioridade para alguém que precisa aprender algo. Justamente ao não se imaginar o jovem como indivíduo que precisa ser orientado (e, de alguma forma, corrigido) é que se consegue, de fato, falar com ele.
Mas às vezes a televisão acerta a mão e consegue fazer um programa de qualidade, que pregue uma mensagem positiva e que seja adotado pelo público adolescente como seu. Foi o caso da temporada de Malhação – Viva a Diferença, que emplacou uma história cativante protagonizada por um grupo de amigas (as “five”), que conseguiu representar a inevitável necessidade adolescente de manter vínculos de amizade.
Dirigida pelo experiente Cao Hamburger, Viva a Diferença já pode ser definida como um marco não apenas na trajetória da longeva novelinha adolescente (Malhação já tem 23 anos no ar), resgatando sua relevância, mas em todo tipo de programa que tem a pretensão de falar com essa audiência. Conseguiu, portanto, uma façanha: falar para o público adolescente, discutir pautas importantes (como homossexualidade, racismo, autismo) sem cair num tom pedagógico (no mau sentido).
Às vezes a televisão acerta a mão e consegue fazer um programa de qualidade, que pregue uma mensagem positiva e, de fato, seja adotado pelo público adolescente como seu.
Interessante notar que o triunfo de Viva a Diferença foi sucedido por uma nova temporada que parece caminhar na direção oposta. Malhação – Vidas Brasileiras está no ar desde março e, prestes a completar dois meses, mudou completamente o ângulo pelo qual a história é enfocada. Se Malhação normalmente se situa pelo olhar dos estudantes adolescentes, dentro de um colégio (embora a novela tenha começado, como sugere o título, em uma academia), Vidas Brasileiras opta por focar o ambiente educacional pela ótica do docente. Por isso mesmo, a protagonista da temporada é uma professora, Gabriela, vivida pela competente atriz Camila Morgado.
A mudança de ângulo podia ser interessante, ao colocar um adulto sob o foco principal. No entanto, infelizmente, o resultado tem se voltado a um tom professoral que havia sido deixado de lado em Viva a Diferença. Todas as histórias, que se alteram periodicamente em Vidas Brasileiras – já apareceram, por exemplo, temas ligados a drogas, assédio, diversidade sexual, preconceito religioso – têm se desenrolado em um tom bem mais tímido que o empregado na temporada de Cao Hamburger. Quase como se a direção estivesse sempre preocupada em não deixar qualquer ponta solta para a compreensão do jovem que assiste ao programa (a de que ele entenda, por exemplo, que usar drogas pode ser bom).
Há um esforço louvável em fortalecer a figura do docente, conforme já apontado nesta coluna. Entretanto, a idealização que cerca o papel do professor acaba sendo um desserviço à classe, pois cola à categoria a ideia de que o professor é sempre responsável por tudo, por participar inclusive da vida pessoal do aluno e de desempenhar funções que não são suas (como a do psicólogo ou do assistente social). O programa reitera aquele clichê de que a docência é um “sacerdócio”, ou seja, algo que se desempenha sem recompensas concretas, pelo mero prazer de exercer aquela profissão – o que, bem lá no fundo, legitima a ideia de que o professor é mal remunerado, trabalha mais do que aguenta, tem que ouvir desaforos, etc., afinal essa é a sua “vocação”.
Mas não deveríamos nos preocupar com as formas pelas quais nos direcionamos ao jovem?, talvez pergunte algum leitor. A resposta: é claro que sim. No entanto, o tom excessivamente pedagógico, preocupado em ensinar alguma coisa, acaba fazendo com que se perca a conexão com o adolescente – e isso é tudo o que não deseja que aconteça quando se busca criar vínculos com esse público. O fato é que poucos programas conseguem, efetivamente, falar com o jovem, e não para ele. Olhar o jovem de cima – como um professor que acredita saber mais que o aluno – não deixa de ser, em certa medida, uma forma de menosprezar esse espectador.