Onipresente tanto nas mídias quanto na própria sociedade, a pauta do empoderamento feminino é matéria-prima de vários produtos televisivos. Se até ontem as revistas femininas eram uma forte influência às mulheres, estabelecendo padrões que buscava adequá-las a papéis marcados (da profissional destemida, da dona de casa impecável, da femme fatale caçadora de homens – de preferência, sendo todas elas ao mesmo tempo), hoje a desconstrução é a regra. Conforme já comentei em outros textos, mesmo os programas tidos como ajustados aos padrões já repercutem as ideias difundidas pelo feminismo – ainda que, muitas vezes, de forma enviezada, redutora.
Essa leitura limitada do empoderamento feminino é a tônica do reality show Melhor pra elas, programa exibido pela RedeTV! e na FOX Life, capitaneado por Karina Bacchi. Ainda que a intenção seja boa – popularizar, na televisão aberta, uma discussão sobre ser mulher e ser autossuficiente -, a premissa parece um tanto oportunista: a ideia é juntar quatro moças que sofreram algum tipo de abuso para que juntas, ao longo dos episódios, mergulhem em uma espécie de spa do feminino e se reconstituam.
Assim, quatro mulheres jovens e bonitas são reunidas e apresentadas ao público de forma literalmente rotulada: uma foi mãe na adolescência, uma foi enganada por um namorado, uma esteve em um relacionamento abusivo e uma sofreu com ciúmes e controle. O sofrimento de cada uma, portanto, é “empacotado” numa caixinha que busca encontrar identificação fácil pelas (e com as) espectadoras. Elas partem então a uma jornada na qual deverão sair mais fortes (não é uma competição e não há prêmios materiais; o prêmio, de alguma forma, é encontrar a si mesma).
Ainda que com uma proposta educativa louvável, Melhor pra elas também resvala no subtexto de que a maior parte dos problema que acometem as mulheres partem dos homens, e que eles seriam, também, a solução de todos eles.
Parece bastante interessante; no entanto, as etapas da jornada revisitam apenas os clichês de um suposto discurso tido como feminista, empoderado. Explico: cada episódio se centra em um passo da “cura”. No primeiro, elas precisam ir a um encontro às cegas com homens (serão avaliadas por uma coach de relacionamentos sobre sua postura). Noutro, experimentam roupas umas das outras. Em seguida, recebem cortes de cabelo (reiterando o clichê de que a mulher, quando quer mudar a vida, muda primeiro o cabelo). Depois, criam um perfil num aplicativo de relacionamentos. Logo mais, num episódio que beira o risível, passam por um ritual de “sagrado feminino” em que precisam liberar ao universo as mágoas que carregam, a partir de uma cerimônia com fogo e um balão que soltam no céu.
Se a intenção de Melhor pra elas, no geral, é boa, a impressão que dá é que o empoderamento feminino se tornou – como praticamente tudo num mundo capitalista – um produto que se compra: uma terapia rápida, um treinamento com um coach, uma camiseta que se veste, um ritual de purificação que faz o passado ser esquecido. Como se conseguir “ser a si mesma” não fosse, sobretudo, um difícil trabalho interno, conquistado a duríssimas penas. Além disso, as quatro participantes parecem tensas, esteticamente impecáveis, excessivamente preocupadas com a imagem que passam de si em rede social – ou seja, a antítese do que se imagina de uma mulher livre.
Mas é preciso reconhecer que há bons momentos no reality show, pequenos momentos em que uma mensagem valiosa parece vir à tona. Destaca-se, para começar, a figura afetuosa da apresentadora Karina Bacchi, que parece de fato uma amiga e consegue concretizar, com sua presença, a ideia da sororidade. Noutro momento, a participante Lucia – uma bela mulher negra que parece profundamente traumatizada – tira na frente das câmeras, voluntariamente, a prótese capilar que usa e troca da mesma forma que faz com a roupa. Esse “despir-se” simbólico parece mais forte que quase tudo que aparece ao longo do programa.
Ainda que com uma proposta educativa louvável, Melhor pra elas também resvala no subtexto de que a maioria dos problemas que acometem as mulheres parte dos homens, e que eles seriam, também, a solução para todos eles. Fica no ar a dúvida sobre o que de fato seria o “melhor pra elas” – e se é possível falar sobre isso de forma aprofundada em um programa de televisão.