Houve quem reclamasse do sotaque de Wagner Moura. Houve quem reclamasse de que Narcos exaltava um traficante e todos seus horríveis feitos. Houve quem reclamasse que eventos mostrados na série não condiziam total ou parcialmente com a realidade. O fato é que a série conquistou o público, ganhou uma segunda temporada e, logo em seguida, uma terceira.
Se fôssemos sinceros, veríamos que a maioria das reclamações contava com uma dose de verdade. Contudo, a máxima da sinceridade vale para ambos os lados. O espanhol de Wagner Moura não é impecável (ainda que louvável a forma como aprendeu o idioma em tão pouco tempo), mas já aceitamos inúmeros atores norte-americanos interpretando latinos sem nunca nos preocuparmos com sotaque. Narcos realmente exaltou um narcotraficante, mas como obra fez o que era necessário: construir um personagem complexo e repleto de idiossincrasias. Nem todos os fatos coincidiam com a realidade, entretanto, Narcos nunca foi “vendida” ao público como uma telebiografia ou documentário.
De todos os ‘pecados’ que a série poderia ser acusada, o único que é impossível de acusá-la é falta de tensão.
De todos os “pecados” que a série poderia ser acusada, o único que é impossível de acusá-la é falta de tensão. A segunda temporada transcorre justamente na linha da completa tensão. Pablo já não tem mais o amor e admiração do povo de Medellín, perdeu muito de seus homens, inclusive homens de confiança. De perseguidor, Escobar tornou-se perseguido. O trabalho da equipe de roteiristas e do próprio Wagner Moura é impecável na construção dos conflitos internos que o personagem enfrenta. A arrogância de Pablo Escobar é um dos motivos que levou à sua queda.
Grande ponto de crítica na primeira temporada, a visão excessivamente norte-americana (ou imperialista, caso o leitor assim prefira) é suavizada neste ano. Não obstante, não é a visão de Escobar que toma mão da narrativa, mas a construção de sua arrogância e crueldade, a ponto de que o próprio traficante se torna responsável pela derrocada de sua imagem junto ao povo. Narcos se esforçou em não oferecer ao chefe do Cartel de Medellín uma redenção, tampouco nos impõe os Estados Unidos como heróis, ainda que admita que o país tenha sido o fiel da balança.
Ao fim do segundo ano, vários personagens estão com suas reputações manchadas publicamente ou com o espectador. Nesta equação entram os agentes Javier Peña (Pedro Pascal) e Steve Murphy (Boyd Holbrook) e o presidente César Gaviria (Raúl Mendez). Peña se envolveu com guerrilheiros e o Cartel de Cáli, mostrou a sórdida relação entre a polícia, a DEA e os narcotraficantes; já Gaviria fechou os olhos frente aos acontecimentos de seu país, como as chacinas comandadas pelo grupo armado Los Pepes. O subterrâneo das relações políticas é trazido à tona, compondo esta trinca que carrega Narcos: o justiceirismo, as relações escusas do poder e a desconstrução do mito de Pablo Escobar.
A temporada termina levantando a questão: com mais dois anos garantidos em renovação anunciada pela Netflix, conseguirá Narcos manter o alto nível acompanhando o Cartel de Cáli, sendo que a história demonstra que nunca receberam a mesma atenção que o de Medellín? A saber.