No episódio de estreia de O Aprendiz, que reestreou na Band na última semana, dois momentos me chamaram especial atenção. O primeiro deles ocorreu no final do programa, quando o apresentador Roberto Justus, falando com um dos participantes, que logo mais irá “demitir”, diz: “é como eu sempre digo: não basta ser alguma coisa, tem que parecer”. No segundo momento, os participantes competem numa prova de conhecimentos gerais e lamentam não terem um celular, pois aí saberiam as respostas. Justus prontamente reage: “mas quem saberia a resposta não é você, mas o Google”.
A primeira frase talvez seja uma perfeita síntese da premissa do reality show, e define claramente o ambiente corporativo que ele pretende retratar. O mundo dos negócios – dos lucros como meta máxima, dos termos em inglês como forma de demonstrar autoridade, dos resultados a todo custo – é um mundo calcado nas aparências, na performance se sobrepondo à essência. O sucesso da franquia O Aprendiz está justamente na expectativa de que ele oferece uma experiência dentro deste universo alucinante para muitos. Pelo menos desde a era yuppie, há uma narrativa cultural que romantiza a frieza deste cenário.
A segunda frase diz respeito ao mote desta nova temporada, em que todos os participantes são os chamados “influenciadores digitais”, ou seja, pessoas famosas por serem populares nas redes sociais (o que significa ter muitos seguidores e, idealmente, ser capaz de influenciar muita gente e vender muitos produtos). É, a princípio, um nicho bem sacado para abordar neste reality show corporativo.
Mas boa parte dos influenciadores digitais que conhecemos faz parte da chamada geração millenial, compreendida como uma gente jovem, nativa digital, mal preparada para lidar com frustrações, e acostumada com um mundo em que a memória se situa fora da mente. Para esta geração, parecer seria mais importante que saber – uma vez que tudo o que já conhecemos ao longo da história da humanidade está aí, ao alcance de um clique. E nesse sentido, a provocação de Justus promete que talvez haja bons momentos nessa nova temporada de O Aprendiz.
O sucesso da franquia O Aprendiz está justamente na expectativa de que ele oferece uma experiência dentro do universo corporativo.
De modo geral, no entanto, o primeiro episódio foi esteticamente perfeito (consolidando a Band como a grande emissora dos reality shows temáticos), mas enfadonho em vários aspectos. Com edição impecável (a trilha sonora, em alguns momentos, remetia a MasterChef Brasil), a estreia se dividiu entre um longo período de uma prova física, que remetia a programas como Survivor, reality show de competição e resistência, e uma longuíssima reunião final com a equipe de pior desempenho para que ouvissem os conselhos de Roberto Justus.
O Aprendiz, é claro, precisa autolegitimar a sua importância a todo instante. É preciso destacar o tempo todo a oportunidade de estar ali, na frente deste que supostamente é um dos maiores empresários do Brasil, e que está ali cedendo seus pitacos para uns poucos escolhidos. Ao seu lado, estão dois conselheiros: Vivianne Brafmann, vencedora do primeiro programa O Aprendiz, e José Roberto Marques, um coach que presta consultorias a custo de 200 mil reais, segundo ele mesmo (parecer é tão ou mais importante que ser, já avisou Justus) – e que é presidente do Instituto Brasileiro de Coaching, que, por acaso, anuncia no programa.
A julgar apenas por esse primeiro episódio, o ponto fraco de O Aprendiz deve ser justamente seus participantes. Os influenciadores digitais parecem um público inusitado para mirar. Capazes de angariar muitos fãs, eles chamam a atenção, como já dito, por serem muito famosos por nada ou por pouca coisa. Por isso mesmo, eles acabam configurando como alvo de muito desejo, pois revelam que o sucesso e o dinheiro podem estar ao alcance de todos, numa espécie de “corrida do ouro” digital. Curiosamente, participar de um programa desse é uma faca de dois gumes: pode aumentar sua popularidade nas redes (e a popularidade, no caso deles, é fonte de recursos financeiros) ou fazer erodir uma reputação (superficial que seja) construída a duras penas.
O primeiro episódio, aliás, sugere que a segunda premissa é mais provável de acontecer, ao menos para parte dos competidores. Não houve até momento qualquer personalidade de destaque, carismática, que parece capaz de angariar uma torcida espontânea para além do que o indivíduo já tem em suas redes. A primeira eliminada, Jessica Belcost (cujo trabalho é postar fotos de looks em seu Instagram), foi defenestrada sob a crítica de ser muito tímida e não se colocar agressivamente no grupo – sinal de que seu carisma (e provavelmente de vários outros) não se adequa às câmeras de TV.
A grande graça do programa parece estar justamente na presença de Roberto Justus, que está aqui no seu papel mais perfeito, o de si mesmo: um empresário vaidoso (compara-se aos irmãos Kennedy, logo no começo do programa), egocêntrico, guiado pelas decisões frias e não pelas emoções (não por acaso, o clímax de O Aprendiz é o close na mão de Justus quando ele aponta incisivamente para a pessoa que está demitindo), que se coloca como modelo tanto no mundo dos negócios quanto pessoal, e com a qualidade de saber rir de si mesmo (no programa, sua mulher, bem mais jovem, o chama de coroa enxuto). Um showman, capaz de parecer, mais que ser – e isso é fundamental para uma boa atração televisiva.