Culpem a chegada dos meus 30 anos. Este colunista achou que não ia entrar numa crise existencial, mas entrou. Nem Balzac poderia prever. Por causa disso, resolvi voltar para os meus 16 anos, quando tudo parecia mais fácil e quando os dramas de Dawson’s Creek faziam muito sentido. Aproveitei um feriadão e o frio de Curitiba para revisitar personagens que sempre estiveram muito presentes no meu imaginário e continuam até hoje. Poucas histórias conseguem fazer isso.
Meu relacionamento com Dawson’s Creek começou quando eu morava em uma cidade litorânea bem menos charmosa do que Capeside, mas que carregava a mesma languidez, melancolia e aquela urgência de sair de lá antes que a sensação paralisante de que nada iria mudar começasse a sufocar. Acompanhar Joey, Dawson, Pacey e Jen dava uma sensação de conforto, a mesma de agora, quando decidi revisitá-los.
Criada por Kevin Williamson (a mente por trás da franquia Pânico, Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado e The Vampire Diaries), Dawson’s Creek foi uma das séries adolescentes mais representativas dos anos 1990. É bem verdade que os atores aparentavam ter mais de 20 anos mesmo interpretando personagens de 15 e que os diálogos eram os mais inverossímeis possíveis, mas a produção conseguia expressar de forma linda a atmosfera da época, sempre marcada pela inocência e romantismo.
![Joey e Dawson em mais uma sessão de filmes Joey e Dawson em mais uma sessão de filmes](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Joey_Dawson.png)
Na minha cidade também havia uma locadora de vídeos, meu lugar favorito na Terra por muitos anos. Era lá que eu ficava por horas e horas olhando todos os títulos, alugando várias fitas e viajando em clássicos dos anos 80 e 90. Na série, Dawson e Pacey trabalham em uma locadora, o que me fazia pensar que arranjar um emprego real de atendente numa videolocadora e viver entre filmes era um plano de vida ideal.
A série conseguiu e ainda consegue transpor para a tela uma simplicidade do que é mais bonito na nossa juventude.
Cheia de referências cinematográficas e uma metalinguagem deliciosa, Dawson’s Creek conseguia resgatar a essência de uma época atribulada. Você poderia até não viver todas aquelas coisas na mesma intensidade, mas de uma forma ou de outra, passava pelos mesmos dilemas, seja a descoberta da sexualidade, o ciúme entre amigos, o início de uma paixão arrebatadora ou o desespero de não saber o que fazer quando te dizem que você ainda tem tanto pela frente.
Nos 13 episódios que formam uma temporada bem consistente, Dawson’s Creek recebeu críticas por ser muito espertinha em seus diálogos e pouco verossímil em suas emoções, algo válido, mas que, tal como inúmeras séries, pede uma dispensa da realidade para que se possa curtir o enredo. Neste primeiro ano, a série consegue discutir machismo, relacionamento entre um menor de idade e uma mulher mais velha, bullying nas escolas e por aí vai. Porém, aqui não há peso ou apelo, mas uma leveza que não soa bobinha. O elenco entrosado nos faz acreditar em toda aquela amizade e cada um vai crescendo aos poucos, assim como o público.
Já me permitindo ser clichê e gostar de um clichê bem feito, Dawson’s Creek evoca nostalgia e saudade, seja para quem viu a série na época ou para quem já passou pela temida fase dos 15 aos 20. Na época, os personagens não tinham celular, iPod, DVDs, Netflix ou Spotify e, por mais que esse papo nostálgico de que “no meu tempo é que era bom” seja um saco, a série conseguiu e ainda consegue transpor para a tela a simplicidade do que é mais bonito na nossa juventude, aquela qualidade de sentimentos e sensações que vamos perdendo com o passar do tempo sem perceber. Até mesmo a abertura da série deixa o nosso coração aquecido. Não vou confessar aqui que choro toda vez que começa a tocar “I Don’t Want to Wait”. Isso não acontece.
Talvez eu esteja apenas passando por uma fase saudosista e, para fugir da realidade, volto para o que me trazia um calorzinho na alma. Sem grandes reviravoltas, intrigas ou temas trágicos, o trunfo de Dawson’s Creek foi falar de um período tão conturbado com delicadeza. Nem sempre precisamos de séries adolescentes extremamente reais, cosmopolitas e cínicas. Se você foi um adulto nos nos 90 ou 2000, a vida pode ter sido um saco, mas para quem foi uma criança chegando à adolescência, tudo era um carrossel de emoções. Saudades.