Um dos argumentos mais fracos de quem assiste a seriados e repudia novelas é que a narrativa de séries seria mais inteligente, ousada e teria um texto muito mais elaborado. Isso é bem verdade quando pensamos em Família Soprano, Six Feet Under, Breaking Bad e mais inúmeras outras produções que aparecem mundo afora. Porém, por outro lado, as maiores audiências da TV americana são oriundas de produções muito parecidas com as nossas queridas novelas globais, mas com um ritmo muito mais ágil. A verdade é que quase ninguém resiste a um bom enredo que contenha vingança, confronto, intriga e muitos diálogos forçados, mas que nem por isso deixam de ser divertidos. Foi assim com Revenge, Desperate Housewives, Ugly Betty e, ouso afirmar, Game of Thrones. Em 2015, o seriado-novela que mais fez sucesso na TV foi Empire, musical que ultrapassou qualquer expectativa, se transformando num fenômeno. A audiência da série dobrava de espectadores a cada episódio e a trilha sonora desbancou Madonna dos álbuns mais vendidos. Isso só havia acontecido com outra produção da FOX, também musical: Glee.
A série entrega horas do mais puro entretenimento que há tempos não víamos na televisão. Imperdível.
Como tantas outras novelas e séries, Empire é baseada no clássico Rei Lear, de William Shakespeare. Criada pelo ator Danny Strong (Virada no Jogo, O Mordomo da Casa Branca, Jogos Vorazes, Buffy) e pelo cineasta Lee Daniels (Preciosa, Obsessão, O Mordomo da Casa Branca), a produção gira em torno de Lucious Lyon (Terrence Howard), dono de uma gravadora de discos de hip-hop, a Empire. Vindo de um mundo marginalizado, Lucious fez seu nome na história da música, sendo um dos mais respeitados no segmento hip-hop. Porém, Lucious foi diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença degenerativa e sem cura. Com pouco tempo de vida, Lucious começa uma guerra na família para saber qual dos seus filhos tomara à frente da gravadora. As opções são o talentoso e nova aposta musical da gravadora, Hakeem (Bryshere Gray); Jamal (Jussie Smollet), extremamente dedicado e talentoso, mas que ganha a rejeição do pai por ser gay; ou o eficiente e burocrático Andre (Trai Byers), diretor financeiro da empresa e responsável pelo enriquecimento da gravadora, mas que por não ter nenhum talento musical, é uma opção remota para o pai. Para completar a trama, entra a ex-mulher de Lucious, Cookie (Taraji P. Henson, em uma atuação sensacional), que ficou presa por 17 anos cumprindo uma pena que devia ser do marido, tudo para proteger o legado de sua família.O motivo para tanto sucesso vem por diversos acertos: ótima direção, edição rápida, trilha sonora capaz de fazer o público correr para baixar as músicas (todas as canções são produzidas por Timbaland) e atuações irresistíveis, além de, embora sem muita profundidade, mostrar como funciona a indústria fonográfica americana, as manipulações, as letras machistas e misóginas e os personagens que ensaiam uma complexidade interessante. O que encanta em Empire é a rapidez e urgência que aparecem desde o primeiro episódio. Em nenhum de seus 12 capítulos, que formam a primeira temporada, temos um enredo mais calmo ou menos interessante. Traições, assassinatos, música, mistérios e reviravoltas acabam deixando o público vidrado e todos os episódios terminam fazendo a audiência pedir mais.
E toda produção, ainda que seja fundamentada em clichês, traz algo que sobressai. No caso de Empire, a homossexualidade de Jamal acaba levantando uma discussão interessante sobre o preconceito no hip-hop, ritmo predominantemente formado por heterossexuais. A série não tenta amenizar a abordagem, colocando sempre o filho em conflito com o pai. Em dos melhores episódios da temporada, Jamal acaba saindo do armário cantando uma música do pai, mudando seu refrão para: “é esse o tipo de música que faz um homem amar outro homem”. E mesmo que, ao final, o personagem acabe regredido, todo o tema é relevante num universo cercado por homofobia.
E ainda que todos os atores estejam muito a vontade em seus papeis e as participações especiais sejam um deleite para o público (Jennifer Hudson e Courtney Love, por exemplo), quem claramente leva a série nas costas é Taraji P. Henson. Sua personagem Cookie domina Empire desde o primeiro momento em cena, sendo um furacão durante toda a temporada. Cookie se torna a mais carismática, inteligente e afiada do elenco, graças a um texto delicioso que faz o público vibrar.
Empire tenta flertar com diversas outras séries que falam do mundo do dinheiro a qualquer custo. Lembrando um pouco (bem pouco mesmo) Família Soprano, a série tenta reproduzir algumas tramas inteligentes de outras séries de gangster, mas acaba mesmo acertando quando se assume como um seriado de reviravoltas chocantes para fisgar o público. Isso, embora divertido, acaba tendo um alto risco, porque todas as séries que vão por esse caminho acabam se perdendo, afastando o público e terminando sem muita relevância. Basta lembrarmos de Revenge, que fez uma primeira temporada aclamada pelo público, para depois acabar esquecida. Glee, embora não tenha uma narrativa parecida, era a menina dos olhos da FOX, mas que ao perder sua força, viu sua publicidade cair vertiginosamente por parte da emissora. Ainda que Empire tenha argumentos que possam sustentá-la por mais tempo, os roteiristas precisam de muito mais criatividade e controle para manter a trama linear, sem forçar situações absurdas, algo que, lentamente, começa a acontecer já no final do primeiro ano
Mas, de qualquer forma, esse problema está nas mãos de Lee Daniels e seus roteiristas, porque o público pede mais. Não é exagero dizer que Empire é o maior fenômeno do momento, ultrapassando Game of Thrones facilmente quando falamos em números. Há 23 anos a TV americana não via acontecer o que Empire fez: a quebra de recorde de audiência a cada episódio, fechando uma média de 14 mlhões de americanos durante toda a temporada, isso sem contar o público que gravava os episódios para assistir mais tarde ou os que viam nas reprises. Somando o público de toda a temporada, a série acumula 168 milhões de pessoas.
Ainda, o elenco de Empire é predominantemente negro, trazendo justiça a toda comunidade que não se vê muito representada na televisão. Em Empire todos ganham voz, com personagens nos mais diversos cargos e poder aquisitivo, com uma força inspiradora em seus discursos.
Empire pode até se perder no meio do caminho daqui para frente, e provavelmente se perderá, mas enquanto isso não acontece, a série entrega horas do mais puro entretenimento que há tempos não víamos na televisão. Imperdível.