Desde a primeira temporada, em 2014, Fargo oferece uma proposta para lá de interessante na televisão. Com linguagem cinematográfica e atores de peso, a série foca no pior do ser humano e na sucessão de desgraças que são consequências de nossas escolhas. Com uma fotografia predominantemente branca e fria para transmitir ao público o frio do Minnesota, Fargo se mantém como uma ótima contadora de histórias e de sensações. E se nos dois primeiros anos a série brincava com o fato de que o que era mostrado na tela teria acontecido na vida real, no terceiro ano os roteiristas deixam de lado a insistência no real e avisam logo de cara: esta é apenas uma história. E mesmo que os personagens sejam muito bem delimitados no campo do bem e do mal – quase maniqueístas –, não há uma grande preocupação para passar uma lição de moral ao público. É apenas entretenimento de qualidade.
Baseado no filme homônimo dos irmãos Coen e adaptado para a televisão por Noah Hawley (que atualmente está envolvido na produção de Legion), Fargo é assumidamente pessimista e carrega um humor negro que beira o insensível, mas graças ao talento dos roteiristas, o mórbido se torna memorável. Fargo tem muito cuidado com seu roteiro e brinca o tempo todo com a ideia de que não há nenhuma maneira de se libertar da confusão em que o ser humano se enrosca. É como se você cavasse a sua própria cova e tentasse sair dela, mas só conseguisse afundar mais e mais. Ao colocar os personagens em situações absurdas, a série acaba sendo muito mais humana e verossímil do que pensamos.
Brincando sempre com o inesperado, Fargo é uma aula de roteiro, direção e cuidado com a história que se propõe a contar.
Este ano, Fargo conta a história dos irmãos gêmeos Emmit e Ray, ambos interpretados por Ewan McGregor. Emmit é um homem de negócios com uma carreira bem-sucedida no ramo de estacionamentos, ao passo que seu irmão mais jovem, Ray, um supervisor de criminosos em liberdade condicional, culpa Emmit pelos seus fracassos na vida. Ele e sua namorada Nikki (a ótima Mary Elizabeth Winstead) vivem de golpes e tentam obter dinheiro de Emmit. A rivalidade entre os irmãos acaba levando-os para um mundo de assassinatos, crimes e mafiosos, especialmente após a entrada do vilão V.M. Varga (David Thewlis), um homem sádico e bastante nojento que obriga Emmit a corromper sua empresa.
Como todo ano, o grande prazer em assistir a Fargo está nos seus personagens, todos fascinantes. Nesta temporada, além da já citada Mary Elizabeth Winstead, Carrie Coon apresenta uma personagem cheia de nuances. Gloria Burgle, policial responsável por desvendar os mistérios do caso, consegue ser ingênua a ponto de deixar a história mais perigosa e esperta na hora de lidar com a complexidade que o roteiro vai apresentando, sendo responsável por boa parte do humor da série, além de entregar boas doses de dramaticidade, seja quando visita o passado de um parente próximo ou quando mostra seu olhar melancólico e resignado. David Thewlis (de Harry Potter) também é marcante ao interpretar um homem sem escrúpulos e impiedoso, que graças ao talento do ator, não soa cartunesco, mas divertido e ao mesmo tempo aterrorizante. É, enfim, um show de atuações absurdas, o que complica bastante a situação do Emmy este ano (Fargo foi indicada em cinco categorias, incluindo melhor minissérie).
E também como já é tradição, Fargo exige uma dose da paciência. Seus episódios são um pouco lentos, mas jamais entediantes, e o roteiro vai complicando a história sem pressa. Quando vemos, já estamos enrolados em uma teia de situações absurdas e precisamos nos envolver com os personagens para que consigamos tentar sair da confusão e aproveitar o que a série tem de melhor. Este ano, o grande destaque fica para o episódio “The Narrow Escape Problem”, com narração de Billy Bob Thornton e com influência da ópera “Pedro e o Lobo”, uma pequena obra-prima da temporada.
O mais interessante desta terceira temporada é que, se nos anos anteriores nós acabávamos torcendo para os vilões, agora nós nos colocamos no lugar das vítimas. Há um maior senso de justiça e os inocentes acabam tendo sua chance de vingança, ainda que as resoluções nunca sejam lá muito agradáveis. Outro ponto interessante foi a acertada decisão em excluir uma situação sobrenatural no roteiro, algo que sempre quebrava a narrativa nos anos anteriores. Aqui, há apenas um leve ensaio de que algo poderia estar errado com a personagem de Carrie Coon, mas não há nenhuma profundidade no assunto, como os alienígenas na segunda temporada ou a chuva de peixes no primeiro ano.
Brincando sempre com o inesperado, Fargo é uma aula de roteiro, direção e cuidado com a história que se propõe a contar. Embora a temporada divirta menos do que suas antecessoras, o terceiro ano mergulha no cômico da violência, mostra uma história um pouco mais sóbria e complicada e apresenta mais uma temporada brilhante. Com tantas séries mostrando como os personagens podem se livrar de assassinatos ou outros crimes, Fargo prefere contar como o ser humano pode ser assustador e atrapalhado, numa sátira tragicômica genial.
Em tempo, Fargo nunca foi oficialmente exibida no Brasil devido a problemas de licenciamento com a MGM.