Meu primeiro texto para a Escotilha foi sobre Girls. Na época, a série já começava a ensaiar um amadurecimento doloroso para as personagens, algo que se concretizou na ótima quinta temporada. Adotando um tom cada vez mais melancólico, ainda que o cômico nunca tenha saído de cena, Girls conseguiu fazer algo difícil na televisão, embora seja algo básico quando se pretende contar uma história: os personagens evoluíram. Inteligentemente, essa evolução não veio da forma esperada. Não temos mulheres adultas e maduras que agora trabalham em grandes empresas e têm uma vida estabilizada, ou que encontraram o sentido do mundo após uma viagem filosófica ou uma escalada reflexiva. Muito pelo contrário. A evolução aparece quando essas mulheres começam a perceber que, apesar dos erros, elas devem seguir em frente, mesmo que separadas.
Girls nunca foi unânime em relação à resposta do público e crítica. Se no início, especialmente na excelente primeira temporada, Lena Dunham (criadora, escritora e produtora da série) foi alçada à voz de uma geração — uma voz feminista e empoderadora —, outros diziam que a série era bastante “white people problems” e que a visão de mundo de Lena era bastante limitada a uma classe média branca e privilegiada, que sofria de problemas como falta de mesada dos pais. Mas havia sempre uma forte honestidade no texto. Mesmo que a identificação venha apenas para uma parcela das pessoas, essa juventude não deixa de ser uma realidade. Lena conseguiu tratar naturalmente de coisas que nós, muitas vezes, não conseguimos acessar ou explicar.
Dito isso, a sexta temporada foi certeira ao sair do óbvio e não dar ao público o que era esperado, ao mesmo tempo em que entregou o que Girls tem de melhor. Os diálogos estão mais afiados, assertivos, cruéis, delicados e absurdos do que nunca. Mas, acima de tudo, as conversas banais continuam a trazer um poder de reflexão extremamente comovente e que, de fato, poderia acontecer na roda com os seus e os meus próprios amigos. É este o talento de Lena Dunham. Identificar o que os jovens realmente falam e pensam e não o que deveriam pensar e falar. Atenta aos detalhes, Lena ainda consegue colocar este texto na boca de personagens bastante desagradáveis e que, mesmo assim, ganharam o carinho do público.
A série acerta ao trazer o amargo das despedidas, ainda que esta despedida não seja verbalizada.
Neste último ano, Girls mostra uma caminho para todos os personagens e consegue, carinhosamente, dar atenção a cada um deles, ainda que o grande destaque seja Hannah. Mesmo assim, esses caminhos não são definitivos ou fechados. Afinal, Girls até poderia se arrastar e mostrar a real vida adulta daqueles personagens por mais alguns anos. Eu mesmo poderia assistir à série por muito mais tempos, mas qual seria a graça? Por isso, a sexta temporada apresenta pequenos fatos que vão moldar as ações daquelas pessoas daqui para frente, mesmo que o público não tenha a oportunidade de acompanhá-las.
Também não há grande declarações de amor entre aquelas amigas nem juras de amizade eterna. Amizade tem prazo de validade e, por isso, a série mostra como as relações podem ser efêmeras e como as pessoas entram e saem das nossas vidas de forma natural, mesmo as grandes e marcantes amizades. Dessa forma, a série acerta ao trazer o amargo das despedidas, ainda que esta despedida não seja verbalizada. Afinal, as diversas situações da vida fazem as pessoas se tornarem bem diferentes, até mesmo incompatíveis umas com as outras, o que as obrigam a seguir rumos diversos.
Como de costume, há episódios bastante marcantes, como “American Bitch”, um ótimo exemplo de como Lena escreve absurdamente bem ao falar sobre machismo. O diálogo entre Hannah e Jessa no penúltimo episódio também é poderoso e empoderador, assim como a sequência entre Hannah e Adam, em que não são necessários diálogos expositivos para entender o que se passa — e a cena, além de ser uma das mais tristes de toda a série, ressalta que mais do que ótima escritora, Lena Dunham comove como atriz. Personagens secundários, como Ray e Elijah, também ganham destaque e um final coerente com suas atitudes durante todos estes anos, especialmente o último.
Mesmo usando um artifício, até certo ponto, batido para mostrar que a personagem precisa amadurecer, Girls insere esta situação para formar uma nova interação entre aquelas mulheres. A sexta temporada vai mostrando Hannah lutando com seus pensamentos e decisões, e tentando se mostrar independente, ainda que peça ajuda a todos, em todos os momentos. Suas conversas com a mãe são excelentes e não há conselhos de comercial de margarina. Hannah precisa amadurecer.
O final da série é controverso. Enquanto alguns admiraram a coragem de Lena Dunham em subverter tudo o que se esperava de Hannah, outros não gostaram do episódio entregar situações aleatórias, com cenas que podem dizer muita coisa, mas também podem não dizer nada. Depende do repertório de cada um. Por ser o final de uma série tão significativa, esperavam-se lágrimas, abraços e nostalgia. O que o episódio mostra, entretanto, é que a vida simplesmente segue.
Mesmo com alguns tropeços ao longo do caminho (a segunda e a terceira temporada são bem questionáveis), Girls abriu caminho para comédias feministas — como Broad City e Chewing Gum —, mostrou o sexo de maneira real, colocou mulheres com corpos reais e trabalhou a nudez de forma natural, quase como um protesto. Falou aos jovens na casa dos 20 anos que existem decisões ruins, mas não existem decisões permanentes e que sempre é possível errar ainda mais, assim como é possível acertar em cheio.
Girls vai deixar saudades.