Master of None continua trilhando um caminho peculiar e sensível dentro do catálogo da Netflix. Se a primeira temporada conseguiu mesclar com êxito críticas sobre a representação estereotipada de imigrantes na televisão americana, machismo e misoginia, a temas universais presentes na vida da maioria dos adultos de grandes centros urbanos, o segundo ano surge com muito mais confiança para falar sobre esses mesmos assuntos, mas agora aposta em linguagens experimentais, que fogem do que estamos acostumados a ver na televisão. Com isso, a série acaba oferecendo pequenas obras-primas nestes dez novos episódios.
Criada e escrita pelo comediante Aziz Ansari (Parks and Recreation) e pelo roteirista Alan Yang (também de Parks), Master of None mostra a rotina de Dev, filho de imigrantes indianos. No alto de seus 30 anos, Dev vive em Nova York e tenta a vida como ator, aparecendo em diversos comerciais de qualidade duvidosa. Depois dos acontecimentos vistos no final do primeiro ano, Dev está passando um tempo na Itália, fazendo um curso de massas, aprendendo italiano e criando novas amizades, especialmente com Francesca (Alessandra Mastronardi).
O segundo ano deixa um pouco de lado algumas críticas pesadas vistas no primeiro ano (elas estão lá, mas mais sutis), para se concentrar em um texto emocionado, cheio de momentos tristes e alegres, com pequenas cenas que se tornam imensas quando o público alcança uma identificação. Embora seja classificada como uma comédia, Master of None atinge um nível de realidade surpreendente, o que a torna mais complexa do que muitas séries dramáticas.
No início, talvez seja um pouco difícil criar uma conexão. A produção parece inofensiva, apenas bonitinha, quase boba, mas quando olhamos com um pouco mais de atenção, percebemos como o texto é construído de tal forma que, ao vermos pequenos fragmentos da nossa vida na tela, vamos entendendo que a série fala sobre todos nós, em maior ou menor grau.
Embora seja classificada como uma comédia, Master of None atinge um nível de realidade e complexidade surpreendente, o que a torna mais complexa do que muitas séries dramáticas.
Master of None inclui pequenas crônicas que falam aos jovens e adultos, como quando estamos sem ideia de que rumo seguir na vida ou quando estamos solitários o suficiente para procurar relacionamentos dentro de aplicativos que, no fim da noite, aumentam ainda mais o vazio da solidão. Há também questionamentos sobre encontrar a nossa tão sonhada alma gêmea, como decidir se aquela pessoa é de fato a definitiva ou se a pessoa definitiva já passou pela nossa vida e, por alguma decisão errada, deixamos escapá-la. É por meio de diálogos rápidos e encontros com os personagens que a série vai costurando um grande panorama da vida moderna, sempre com muita delicadeza
Com todos estes questionamentos, a segunda temporada não é sobre alguém que tem todas as opções pela frente, mas sobre alguém que começa a entender que envelhecer exige assumir alguns compromissos, mesmo que pequenos, e que estes compromissos podem, sim, moldar o resto da sua vida. O que fazer quando o que você deseja não é certo e o que é certo não é o que você quer? A série jamais dá respostas fechadas, mas leva a reflexões pertinentes sobre os dilemas. As pessoas se machucam e talvez nunca superem. As decisões tomadas por nós de fato podem ser erradas. É possível que a gente nunca saiba o que fazer da vida.
A temporada cria uma ou duas linhas mais tradicionais para manter o controle da narrativa (o romance de Dev e seu trabalho em uma emissora de TV), mas Master of None acerta mesmo em seus episódios antológicos ao experimentar linguagens ousadas para o meio televisivo. Neste ano, são pelo menos três capítulos, a começar pela estreia em preto e branco com uma bela releitura do clássico filme neorrealista italiano Ladrões de Bicicleta.
Mas são nos episódios “New York, I Love You” (que remete ao filme Contos de Nova York, de 1989) e “Thanksgiving” que Master of None mostra como é especial. O primeiro apresenta pequenos contos de pessoas comuns que geralmente não são retratadas na televisão apenas porque, teoricamente, não seriam interessantes. Assim, vemos lindas histórias de vidas de nova-iorquinos que se cruzam de maneira sutil, como um recepcionista de hotel, um taxista imigrante ou um casal de surdos – quando a série tem a brilhante ideia de suprimir o áudio para temos um simulacro da experiência do que é não poder ouvir.
É, acima de tudo, uma carta de amor não somente à cidade, mas às minorias. Já no episódio de ação de graças, nós passeamos pelos anos de amizade de Dev e sua amiga Denise (Lena Waithe), que luta para sair do armário e ser aceita pela sua mãe, interpretada pela ótima Angela Basset. O episódio traz uma leveza e uma naturalidade nas situações para falar sobre compreensão, família e amor.
Por fim, Master of None consegue apresentar uma temporada superior à primeira, mesmo que o humor tenha sido deixado um pouco de lado. Com sensibilidade, a série fala muito mais sobre laços de amizade, amor e conexão humana do que outros produtos bem mais pretensiosos por aí. Uma pequena pérola da Netflix.