Desde a semana passada, somos bombardeados com novas informações, problemas e consequências da operação Carne Fraca – as irregularidades escancararam uma verdade óbvia que nos permeia: nós não temos ideia de onde vem a nossa comida. E não demorou para as redes sociais virarem um ringue entre onívoros x vegetarianos (cujo discurso foi do: eu já sabia).
É fato: todos os problemas, irregularidades, maus processos e falta de ética (com os animais e trabalhadores) não são novidades nessa indústria. Estão em livros como O Dilema do Onívoro, de Michael Pollan, ou no documentário quase homônimo ao da operação da PF, A Carne é Fraca. Mas o discurso do julgamento não é efetivo para que possamos pensar de forma mais crítica sobre a indústria da carne (sejamos onívoros ou vegetarianos).
Simplesmente por que, nesse debate, é impossível não fazer o recorte de classe. E, veja: isso inclui não só a carne. Mas outros produtos que a indústria alimentícia, cujo trabalho de propaganda e marketing é tão bem feito, fez com que a gente passasse a crer que são melhores do que feijão com arroz.
Como dizer a uma pessoa que nunca pode bancar um pedaço de carne bovina, por exemplo, e que passou a poder bancar há alguns anos, que ela deve considerar reduzir o seu consumo? Ou, que ela deve aprender de onde é a procedência, comprar de um produtor de confiança, se o seu dia a dia é tomado pelo trabalho e ela mal tem tempo e disposição de dar uma passada no supermercado?
As irregularidades escancararam uma verdade óbvia que nos permeia: nós não temos ideia de onde vem a nossa comida.
A carne, o churrasco, são de certa forma um símbolo de ascensão social: agora, posso ter carne no prato todos os dias, chamar os amigos para um churrasco todo o fim de semana. É um símbolo de status. E é preciso levar isso em consideração também.
Por isso, nesse embate de vegetarianos e onívoros, creio que é imprescindível pensarmos primeiro, e sempre, no fator classe. Refletir sobre o que comemos e ter informações suficientes para escolher ainda é algo muito incipiente e restrito a uma elite (mesmo com esforços do Guia Alimentar para a População Brasileira, que quer disseminar uma cultura do cuidado com a alimentação).
Infelizmente, nem todo mundo tem condições de se empoderar sobre a sua alimentação: decidir se quer comer carne ou não, se vai questionar a indústria, se vai cozinhar. A grande, grande mesmo, parte das pessoas, não encontra tempo para isso porque trabalha demais, está exausto e tem pouco dinheiro para priorizar qualidade.
Então: que a gente possa sair, ao menos um pouco, de nossos pedestais privilegiados.
Em tempo:
– Não estou defendendo onívoros.
– Apoio a causa vegetariana.
– Fome ainda é uma realidade cruel no mundo. No Brasil, são 7 milhões em média, segundo o IBGE, nesta situação.
– Na terça-feira (21), a ONU fez um alerta sobre a epidemia de fome que atinge o Iêmen, Sudão, Nigéria e Somália: 20 milhões de pessoas. Situação classificada pela organização como a “pior desde 1945”.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.