Aparentemente, a retirada de E o Vento Levou do catálogo do serviço de streaming da HBO e os ataques à cantora Luísa Sonza na rede, por conta do seu mais recente videoclipe, não têm nada em comum. Na verdade, ambas as situações mascaram problemas severos da nossa sociedade, que acabam se refletindo – de diferentes formas – no campo cultural.
Explico. Ganhador de 10 estatuetas do Oscar, E o Vento Levou, de 1939, simboliza o que há de pior no racismo estrutural combatido firmemente hoje nos EUA. O grito preso na garganta ganhou eco após a morte de George Floyd, repercutiu em todo planeta e gerou uma onda de reações, que atingiram em cheio a produção hollywoodiana. Trata-se aqui não de negar o produto cultural e sua trajetória, mas de reconhecer suas falhas quanto aos estereótipos e à forma como glamourizou a escravidão.
Se por um lado o movimento contra o racismo parece promover uma virada real em hábitos e na cultura de maneira geral, em solo brasileiro presenciamos o machismo desenfreado ganhar forma por meio de ‘dislikes’.
A HBO diz que a produção voltará à grade, mas com uma contextualização de sua criação. Ou seja, é preciso enxergar os problemas que se acumulam em torno do assunto nessas últimas décadas e como filmes e outras manifestações artísticas podem carregar em si a perpetuação de comportamentos e visões de mundo que precisam ser superadas. Em outras palavras, faz-se necessário reconhecer, analisar e aprofundar as reflexões em torno de tantas feridas.
Bastou o diretor e roteirista John Ridley, vencedor do Oscar com 12 Anos de Escravidão, publicar o artigo “Hey, HBO, ‘GWTW’ Has to Go” (“Ei, HBO, ‘E o Vento Levou’ tem de partir”), no Los Angeles Times, para a questão pegar fogo. “É um filme que, quando não ignora os horrores da escravidão, detém-se nisso só para perpetuar alguns dos estereótipos mais dolorosos sobre as pessoas de cor”, reiterou Ridley.
Machismo
Se por um lado o movimento contra o racismo parece promover uma virada real em hábitos e na cultura de maneira geral, em solo brasileiro presenciamos o machismo desenfreado ganhar forma por meio de dislikes. Recentemente separada de Whindersson Nunes, um dos mais populares influenciadores digitais do país, a cantora Luísa Sonza virou alvo de toda sorte de críticas por conta de seu mais recente trabalho musical.
O clipe de “Flores”, parceria com o cantor Vitão, esbanja sensualidade e a artista foi vítima de um surto moralista. Diante da situação, ela não pensou duas vezes ao se pronunciar: “Minha equipe queria privar os likes e dislikes. Eu não vou privar porque quero que as pessoas vejam como as mulheres são tratadas até quando só estão fazendo o seu trabalho neste país“, escreveu Luísa em seu Twitter. “De verdade, estou feliz de ser a pessoa que passa por isso, porque sei que não seriam todas que aguentariam como eu aguento todos esses anos. Sempre serei voz por nós, mulheres. Nunca ninguém vai me parar. Fiquem tranquilas”, concluiu.
Com índices assustadores de casos de feminicídio em nosso país, é preciso também aprofundar as discussões em torno do respeito às mulheres e da superação da desigualdade entre os gêneros. Uma ação que merece e deve ser incentivada desde a infância e adolescência, pois será vital para vencermos obstáculos enraizados em nossa sociedade. Um desafio que vale também para o combate à homofobia e outras tantas questões. Fica o convite à reflexão…