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Home Crônicas Eder Alex

Formas de apodrecer

porEder Alex
17 de junho de 2016
em Eder Alex
A A
"Formas de apodrecer", crônica de Eder Alex.

Imagem: Reprodução.

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1. A estante era nova, tinha a mesma idade do apartamento, cheio de planos e parcelas de financiamento pela frente, mas bem ali no canto estava o tijolão apodrecido. Foi no meio da bagunça da mudança que encontrei o dicionário que pertenceu ao meu pai. Era para estar na prateleira de português/linguística, mas estava atrás de algumas HQs não muito adultas. Capa preta cheia de bolor e páginas caindo aos pedaços feito uma bíblia profanada. A umidade da casa da infância ainda presente. Nunca vi meu pai consultando dentro do dicionário o que significavam as palavras que ele não entendia. Já eu, passei a vida toda tentando decifrar o que ele significava dentro de mim. No fim das contas, o dicionário foi pro lixo e as HQs ficaram onde estavam.

2. Um jovem chega com mochila nas costas, abre a porta da casa dos avós e quase vomita com o cheiro de carniça. Várias moscas rodeiam as frutas pretas e murchas que estão sobre a mesa da sala de jantar. Um véu de poeira cobre todos os móveis. Moram sozinhos, o vizinho mais próximo fica sabe-se lá a quantos quantos quilômetros. Ninguém percebeu, não tinha como. A porta do quarto do casal está apenas encostada, e assim permanecerá para sempre na memória do jovem que sai lá de dentro chorando.

Ninguém percebeu, não tinha como. A porta do quarto do casal está apenas encostada, e assim permanecerá para sempre na memória do jovem que sai lá de dentro chorando.

3. O morador do 215 anda sumido, silencioso, quase não sai nem para comprar pão. Passa o dias enterrado na poltrona apodrecendo em frente a TV, levanta apenas para atender o entregador de pizza. A vizinha de cima diz que é frescura, a do andar de baixo tem certeza que é por causa do filho morto. Acho que a mulher também tava no carro, num tava? Mas faz tempo já, não faz? Sei lá, depende o tipo de tempo de cada um. De uns meses pra cá ele deu para ouvir vozes, sentir muita sede e além disso as canelas arroxeadas denunciam sonambulismo. Dizem que não se deve acordar um sonâmbulo senão ele morre. Curioso é que quando a cabeça do homem explode na área comum do prédio numa terça-feira, todos os condôminos acordam. Acordam e não gritam. 20 andares de puro silêncio.

4. Quando ele assistiu a vários episódios de Breaking Bad sem esperar por ela, pareceu uma bobagem. No dia em que ela o ridicularizou no meio do jantar com os amigos, também. Quando mudaram as senhas nos celulares, aplicativos, computadores e tablets, concordaram que era uma questão de segurança. No aniversário de casamento ele entregou cartão com frase copiada da internet e ela deu um livro que ele já tinha, e ali eles perceberam que alguma coisa estava apodrecendo. Quando saiam de carro e discutiam, ela encostava a cabeça no vidro feito filme indie e se imaginava numa outra vida. Ele olhava para frente e se imaginava numa outra estrada. Numa madrugada qualquer, com copos vazios ao lado da cama, treparam com há muito não o faziam e depois, ainda ofegantes, finalmente se abriram. Dividiram a angústia mútua de que tudo desmoronasse, o desejo de consertar as coisas, voltar a ser como antes. No outro dia de manhã ele a acordou, fez café e soltou um eu te amo. Ela sorriu. Depois foi ao banheiro, se olhou no espelho e não conseguiu conter o choro. Sabia que nada ficaria bem.

5. A câmera 1 capta o momento em que o pai, a mãe e a criança entram no shopping. Na câmera 2 a mãe não aparece, mas podemos ver o pai deixando a criança no corredor e se afastando. A câmera 3 é externa e só dá para ver um vulto do casal fugindo pela saída lateral. Ainda na câmera 2, vemos a criança sozinha, parada no corredor lotado de clientes que vem e vão, até que um funcionário se aproxima, se abaixa, fala alguma coisa e pega a sua mão. Parece uma criança perdida, mas já sabemos que ninguém responderá ao anúncio nos alto-falantes. Horas depois, na sala de segurança, várias pessoas trocam telefonemas, falam sobre conselho tutelar e usuários de crack, enquanto a criança com um refrigerante nas mãos, sentada numa cadeira muito alta, balança os pés e olha atentamente para uma parede muito branca.

Tags: Crônicadicionáriofamíliaplanos

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