Tive que escrever a tal da redação “Minhas Férias” algumas vezes no colégio, mas não lembro nada do que eu contava ali. Provavelmente era um amontoado de enredos roubados de filmes americanos que passavam na Sessão-da-tarde.
Tipo:
“Nessas férias a minha família foi viajar e me esqueceu. Foi divertido, nevou muito em Araucária, usei loção pós-barba e até criei várias armadilhas para pegar os bandidos que estavam tentando invadir a nossa casa”.
“Minhas férias foram legais, pois o nosso navio naufragou na represa do Passaúna e eu fui parar numa ilha onde me casei com a Brooke Shields”.
“Minhas férias não foram muito boas, foi divertido e tal, nadamos em uma piscina, cantamos Beatles no meio da rua XV, gazeamos aulas que nem tínhamos (afinal estávamos de férias, não é mesmo?) mas foi meio complicado porque no final a gente destruiu sem querer a Ferrari do pai do Cameron, um colega nosso”.
Depois de uma certa idade, férias se confundem com alforria. Acho que acontece com muita gente, menos com o pessoal do ‘Escolha um trabalho que você ama e você nunca terá que trabalhar um dia sequer na vida’.
É que eu não tinha muitas coisa pessoais para contar nessas redações, pelo menos nada que fosse interessante, uma vez que neste período a minha família não costumava viajar muito, então no fundo as férias eram apenas dias normais, só que sem aula. Na prática, significava mais tempo para brincar com os bonequinhos G I Joe’s, jogar betes na rua, tomar Nescau e ver filme. Se for pensar, férias na Disney nem faziam tanta falta assim.
Depois de uma certa idade, férias se confundem com alforria. Acho que acontece com muita gente, menos com o pessoal do “Escolha um trabalho que você ama e você nunca terá que trabalhar um dia sequer na vida”, pois estes estão sempre ocupados sendo felizes ou tomando remédios que os façam acreditar no que dizem.
Como não inventaram um botão que faça você simplesmente esquecer tudo e sair por aí cumprindo os imperativos publicitários (“aproveite a vida”, “viva intensamente”, “mantenha-se hidratado”, etc), é claro que, dependendo do seu grau de envolvimento com o trabalho, em algum momento entre uma caipirinha num catamarã e uma cerveja num quiosque de frente pro mar, talvez você sinta aquela pontadinha de angústia ao lembrar de um relatório que não ficou pronto, uma reunião que lhe aguarda no retorno, etc.
Esse é o momento de ligar o alerta, triplicar a dose do que você estiver bebendo e tentar curtir a natureza, as piadas ruins do guia de turismo, o cheiro de protetor solar, o cover do Capital Inicial acústico, a coisa toda, pois é lamentável, até mesmo vergonhoso e socialmente malquisto, perder tempo das férias pensando em trabalho. Os vilões das novelas e dos filmes fazem isso o tempo todo, pode reparar.
Mas nem sempre é possível se desligar completamente e se concentrar na paisagem. Quem sabe o lugar pra onde a sua mente é levada também faça parte da viagem. Às vezes estou olhando para o horizonte (a gente tá sempre procurando as bordas do mundo, pra ver se ali reside algum vulto, algum significado oculto) de um lugar lindo que eu estava ansioso para conhecer, mas meu pensamento é interrompido não por lembrança das planilhas de Excel com luzes diabólicas piscando em meus pesadelos, mas sim pela lembrança do menininho meio triste e entediado tomando Nescau e vendo Sessão da Tarde nos anos 1980.
Algo em comum que ainda existe entre nós dois é o fato de que realmente não temos muito o que escrever numa redação sobre as férias. Mas não tem problema, se for necessário a gente inventa.