Entrou no consultório, colocou a caixinha na mesa.
– Em que eu posso ajudar?
– Eu preciso que você faça alguma coisa com esse cachorro.
– Certo, me explique melhor. Como ele chama?
– Anjinho. Preciso que você leve ele embora, dê um fim, não sei.
– Como?
– Ele tá com o demônio no corpo, não dá mais.
– Mas o que exatamente tem de errado com ele?
– Tudo! Destruiu a minha casa inteira, quebrou até o telhado.
O veterinário olhou pra dentro da caixa de transporte.
– Senhora, é um pinscher. Ele tem o tamanho de um ratinho.
– Mas a fúria é de cachorro grande.
– Como ele destruiu o telhado?
– Subiu lá de madrugada, nem sei por onde.
– Mas…
– Outro dia ele entrou na geladeira e não deixava ninguém pegar comida, a gente abria e ele rosnava.
– Quê?
– Eu preciso de paz, eu não tenho mais paz!
– Olha, pinscher é uma raça meio chatinha mesmo, mas ele pode estar estressado com alguma coisa.
– Estressado? A gente trata ele que nem rei. Já faz uns seis meses que ele dorme na minha cama com o meu marido e eu durmo no sofá, porque de noite ele deita lá e a gente não consegue tirar.
– Vocês precisam ser mais firmes.
– Você precisa me salvar.
Abriu a porta da caixa.
– Em primeiro lugar, eu vou ensinar como ser firme com o Anjinho. Você é quem tem que estar no controle. Olha aqui como você tem que segurar.
O cachorro grudou no braço do veterinário. Ele puxou o braço cheio de sangue e fechou a porta novamente.
– Eu preciso de paz, eu não tenho mais paz!
– Olha, pinscher é uma raça meio chatinha mesmo, mas ele pode estar estressado com alguma coisa.
– É, ele é um pouco bravo.
– Endemoniado. Tô falando.
– Tudo bem, vou chamar um assistente pra me ajudar.
– Dou cinco mil pra você ficar com ele.
– Senhora…
– Cinco mil reais. Pode fazer o que quiser com ele.
– Cachorro é um membro da família, você precisa tratar como se fosse seu filho.
– Meu filho eu já expulsei de casa, era um vagabundo.
– A senhora não entendeu.
– Cinco mil. Vamos fechar?
– Eu não posso aceitar uma coisa dessas, posso ajudar você a cuidar melhor dele, para que ele se acalme.
– Cinco mil não devem ser nada pra você, né? A consulta é 300 reais. O que mais eu posso oferecer?
O assistente entrou na sala e abriu a porta da caixa.
– Deixa só a gente examinar ele, depois conversamos melhor.
O cachorro pulou no colo do assistente, na cabeça do veterinário e se pendurou no lustre do consultório.
– Deus do céu!
– Ah, em casa eu nem tenho mais lustre, ele quebrou todos.
Anjinho saltou para a cadeira e começou a girá-la.
– Me ajudem aqui, eu paro a cadeira e vocês dois seguram ele.
O cachorro desceu antes que pudessem segurá-lo. Começou a andar devagar, lançando um olhar ameaçador a todos.
– Ninguém se mexe. Ele tá rosnando, ninguém se mexe.
– Era assim que ele fazia na geladeira. Não dá medo?
– Eu acho que a gente vai ter que chamar o bombeiro.
– Não fala que é o Anjinho, que eles não atendem mais.
– Minha nossa senhora! Como ele subiu ali?
– Nunca sei, ele aparece em cima dos lugares.
Anjinho estava em cima da parte mais alta da prateleira. Começou a derrubar tudo o que havia nela. Depois se jogou na mesa.
– Meu notebook!
– Vixe, ele não gosta de notebook, viu? Os de casa sumiram todos.
– Ele jogou no chão!
– Ele joga, depois esconde. Cê vai ver, é muito rápido.
Anjinho pulou no chão, entrou sozinho na caixa de transporte e deitou. O veterinário fechou a porta.
– Cadê meu notebook?
– Falei que era rápido.
– Eu nunca vi uma coisa dessas!
– Eu sei.
– A senhora tá de carro?
– Estou.
– Então vamos.
– Onde?
– A gente vai levar esse cachorro para um padre.