Se aproximou da cama, de fininho, no meio da madrugada.
– Pai, tem um monstro no meu quarto.
– É só imaginação, Pedro. Coloca a máscara do Batman pra botar medo no monstro e dorme.
– Pai, não é imaginação.
– Pedrinho, deixa o papai dormir, olha que horas são!
– Mas, pai, é de verdade, não é imaginação.
– Deita aqui do meu lado e dorme longe do monstro, então.
– Mas a aranha vai continuar no meu quarto.
– ARANHA?
Sentou com os olhos arregalados.
– Sim, tem uma aranha no meu quarto.
– Você falou que era um monstro!
– Ela tem o tamanho de um.
– É GRANDE, PEDRO?
– Bem grande, pai.
– Do tamanho da sua mão?
– Não. Do tamanho da SUA mão.
– Puta que pariu. Ai, minha aracnofobia!
Levantou e vestiu as pantufas.
– Venha ver, pai.
– Eu falei pra sua mãe que não era uma boa hora pra fechar negócio na China, eu falei! Agora a gente tem que passar por isso.
– Foram os chineses que colocaram a aranha no meu quarto?
– Não, Pedro, eu quis dizer que não foi uma boa hora pra sua mãe viajar a trabalho. Ela é a única da casa que não tem medo de aranha.
– Venha ver, ainda tá na parede.
– Espera, Pedrinho, o papai tem que achar uma vela antes.
– Não quer que eu acenda a luz?
– Não é pra iluminar, é pra pedir ajuda pra Nossa Senhora.
Colocou a vela na cômoda e se ajoelhou.
– Reza logo, antes que ela saia do lugar.
– Minha Nossa Senhora que nunca me abandona, preciso da sua ajuda. Por obséquio, mãezinha querida, minha mãe amada, traga o seu santo chinelo para eliminar este monstro e nos amparar em mais um momento difícil.
Minha Nossa Senhora que nunca me abandona, preciso da sua ajuda. Por obséquio, mãezinha querida, minha mãe amada, traga o seu santo chinelo para eliminar este monstro e nos amparar em mais um momento difícil.
– Vai logo, pai!
– Amém.
Saiu no corredor e andou devagar até o outro quarto.
– Ali. Tá vendo?
– Meu. Deus. Do céu.
– É, pai, eu falei que era grande.
– Isso é mais do que grande, filho, isso é gigantesco. Como essa desgraça entrou aqui?
– Não sei, não. Acordei e estava aí.
– Preciso pensar. Não sei o que vou fazer, vou pensar.
– A Nossa Senhora não vai poder vir ajudar?
– Pelo jeito ela está dormindo, Pedrinho, só vai ouvir a prece quando acordar. Sorte dela.
Começou a andar pelo corredor, de um lado para o outro.
– Pai, ela se mexeu.
– Já sei! Vai na cozinha e pega uma panela, traz pra mim.
Foi sem nada. Voltou com a panela.
– Aqui.
– Hum, muito pequena. Traz a panela de pressão, aquela maior.
Foi com a panela. Voltou com outra panela.
– Tó.
– Isso, essa mesma.
– Você vai colocar a aranha dentro da panela e jogar pela janela?
– Endoidou, Pedro? Você acha que o pai vai chegar perto assim da aranha?
– E o que você vai fazer?
– Arremessar a panela, daqui da porta, mesmo. É só mirar bem na aranha e voilà. A panela é pesada e grande, vai ficar fácil de acertar.
– Acho que quem endoidou foi você.
– Cala a boca, menino. Eu sei o que eu tô fazendo.
Ergueu a panela de pressão acima do ombro direito e se preparou para arremessá-la.
– Ela se mexeu de novo.
– Fica quietinho, o papai vai acabar com isso agora.
Arremessou.
– Ela correu!
– Acertei?
– Não, pai, a aranha correu! Ela saiu correndo!
– Mas cadê ela agora?
– Não sei.
– Pra onde ela correu?
– Não sei, eu fechei os olhos.
– Porra, Pedrinho, isso é hora de fechar os olhos? Nem pra me ajudar.
– Você ficou de olhos fechados o tempo todo!
– Mas eu sou adulto.
– O que tem a ver?
– Para de fazer perguntas e me ajuda a procurar essa aranha.
Reviraram o quarto. Arrastaram a cama, levantaram brinquedos e almofadas, tiraram lençóis e fronhas.
– Pai, não tá mais aqui, a gente procurou em tudo. Não quero mais procurar, quero dormir, eu tô com sono. Muito, muito, muito sono.
– Vamos fazer assim: nessa noite você dorme comigo, no meu quarto, de porta fechada. A gente deixa a janela do seu quarto aberta pra aranha ir embora durante a noite. Vai que Nossa Senhora acorda antes da gente e já dá uma ajuda.
– Mas, pai…
– Sem “mas”, filho, vai ser assim. Vem, vamos dormir.
– Mas, pai…
– Pedrinho!
– Pai, me escuta.
– Fala.
– Se a aranha não está aqui, ela pode ter ido pra outro lugar da casa. E se ela estiver no seu quarto?
Parou de andar e deu uma bufada.
– Pai?
– Filho, pega suas coisas.
– Mas que coisas?
– O que você precisa pra viver, só o essencial. A gente vai ter que deixar essa casa.