Dona Gertrudes, a famosa “tia do café” da agência, chegou desesperada na recepção.
– Tá tudo louco!
A recepcionista deu um pulo na cadeira e derrubou o celular dentro da caneca de café.
– Porra, Gertrudes, era a foto perfeita pro meu Instagram. Você arruinou, quase me matou do coração.
– Menina, é sério. Eu já achava aquele grupinho meio esquisito, mas hoje tá diferente. Tá todo mundo doido.
– Eles são do Departamento de Criação, é normal.
– Não é normal, não, menina. Vai lá ver, vai.
“-Menina, é sério. Eu já achava aquele grupinho meio esquisito, mas hoje tá diferente. Tá todo mundo doido.”
A recepcionista continuou limpando o celular e não deu bola para a coitada da Gertrudes, que correu para o Departamento de Mídia.
– Ô, gente, a Criação endoidou. Vocês precisam ver.
– Gertrudes, traz um cafezinho no capricho pra gente?
– Só se alguém vier comigo ver o que eu tô falando.
– Não dá, a gente tá muito ocupado. Cafezinho?
Dona Gertrudes virou as costas sem responder e foi procurar alguém que desse importância para aquela situação tão séria.
Andou pela agência inteira e não teve sucesso nenhum. “Queria um café”, “e aquele cafezinho de primeira?”, “já tá pronto o café?”.
– MAS COMO É QUE O POVO CONSEGUE PENSAR EM CAFÉ NUM MOMENTO DESSES?
Todo mundo que estava perto parou. Não era normal ver a Gertrudes gritando daquele jeito. Ela era velhinha, tinha voz baixa, falava em um tom leve e amoroso. Praticamente um membro dos Ursinhos Carinhosos da terceira idade.
As pessoas permaneceram paralisadas por longos 15 segundos. Mais ou menos isso. Depois, voltaram aos seus computadores e ignoraram o ataque.
Ela voltou para o Departamento de Criação. Um dos criativos estava girando junto com o ventilador de teto, enquanto outro corria em volta, para o lado contrário; um redator estava pulando uma pilha de jobs que pegava fogo, recitando “pula fogueira, iaiá, pula fogueira, ioiô”, próximo a uma diretora de arte, que desenhava um imenso pinto na lousa; ao fundo, quatro criativos bebiam champanhe abraçados, cantando “We are the champions”, enquanto duas meninas tentavam montar uma torre de cadeiras – já quase até o teto; um diretor de criação rolava no chão gritando “eu sou diva”, enquanto um arte-finalista pegava papeis da impressora, picava e jogava em sua direção; um cara chorava compulsivamente no canto da sala e outro olhava para o teto com os braços abertos; havia um grupo jogando vôlei com um rolo de papel higiênico, que se espalhava pelas mesas; um garoto estava com a bunda para o lado de fora da janela, que dava para uma avenida movimentada.
Dona Gertrudes conversou rapidamente com uma redatora que estava enrolada em plástico-bolha, levando socos, e saiu. Foi novamente até a recepção. O chefe tinha acabado de entrar.
– Chefe, o senhor tem que saber o que tá acontecendo aqui, é grave.
– Bom dia, Gertrudes. E aquele cafezinho maravilhoso?
Ela fechou a cara e saiu sem dizer nada. Ele ia ter que descobrir sozinho que um departamento inteiro da empresa havia ganhado no bolão da loteria.