Passar o Dia dos Namorados ao lado de quem a gente ama. Tem como não ser especial? Para ele, não tinha, e tudo estava preparado para a grande noite. A reserva naquele restaurante caríssimo da capital estava feita há meses e o endereço gravado nos favoritos do GPS há dias.
Estacionou o carro na frente do prédio e, depois da clássica espera, viu Rosa chegando toda emperequetada.
– Desculpa a demora, môre. O delineador não ficava igual nos dois olhos de jeito nenhum, aí desisti, ó.
– Tá linda de qualquer jeito! Pronta para o melhor Dia dos Namorados de todos?
– Sempre. Vamos ver se nesse ano vai, né? Porque sempre dá merda.
“Passar o Dia dos Namorados ao lado de quem a gente ama. Tem como não ser especial?”
Era verdade: sempre dava merda. Em 2013, eles colocaram fogo no quarto do motel (literalmente, porque uma vela caiu no lençol, de um jeito nada romântico). Em 2014, comemoraram na praia e ela teve uma crise alérgica por causa do camarão – ficou parecendo um baiacu e os dois passaram a noite no hospital.
– Dessa vez vai dar tudo certo, você vai ver. Vamos que vamos.
– Vamos que vamos!
Duas horas dentro do carro. Estômagos roncavam, bocas bufavam.
– A gente já passou por essa rua.
– Não passou, não, a gente passou por aquela ali de cima.
– Não, era essa rua, Rosa.
– Não era essa.
– Era.
– Olha pra frente, ô! Quase bateu ali!
– Você quer dirigir? Porque se quiser eu estaciono o carro e deixo a rainha das ruas reinar ao volante.
– Não quero dirigir, só quero que você faça o caminho certo e a gente chegue logo nessa droga de lugar.
– A culpa é minha se o sinal do GPS sumiu há uma hora? A culpa é minha?
– A culpa é sua por continuar usando esse GPS de 1930. O que eu falei da última vez?
– Em 1930 nem existia GPS!
– Existia noção? Porque estamos em 2015 e você ainda não tem! Volta lá pra procurar.
– O meu GPS funciona. Sempre funcionou, você que dá azar.
Silêncio. Meia hora de um profundo silêncio constrangedor. E se tem uma coisa nessa vida que dura uma eternidade é o silêncio constrangedor.
– Acho que estamos chegando, Ró.
– Tomara.
– É nessa rua aqui que tem que virar.
– Credo, que escuridão.
– Hum, não era nessa rua, não.
– Francisco, anda rápido, tem um cara vindo na nossa direção.
– Não dá pra andar rápido, eu preciso ver direito onde a gente tá.
– Chico, aquilo na mão dele é uma arma?
– Uma arma?
– AQUILO NA MÃO DELE É UMA ARMA! CORRE, CHICO, VAI LOGO! A GENTE VAI MORRER, CHICO!
– Cacete!
– Ai, acho que é um guarda-chuva.
– Você confundiu um guarda-chuva com uma arma? Assaltante com carabina?
– O que é carabina?
– Carabina…
– Chico, é ali. É ali mesmo! Chegamos!
– Deus é pai!
Estacionaram, desceram e decidiram aproveitar a noite como um casal feliz e apaixonado que não passou as últimas horas querendo se matar. Olharam para a hostess, sorridentes.
– Boa noite, tenho uma reserva em nome de Francisco Bento.
– Boa noite, senhor Francisco. Desculpe-me, mas a reserva só era válida até as 21 horas.
– Mas passaram só dois minutos.
– Isso mesmo, passaram-se dois minutos.
– Não é possível!
– O senhor pode aguardar na fila. A espera é de uma hora e meia.
Olharam-se desacreditados e saíram emburrados, sem trocar uma palavra. Entraram no carro e permaneceram quietos, para aproveitar mais um pouco do silêncio constrangedor.
– Quer saber? É só uma data comercial, a gente não precisa comemorar.
Ele não respondeu e deu a partida. O carro mal ligou e a voz do GPS surgiu, alta e serena: “Você chegou ao seu destino”.
– Agora? Sério?
– Eu disse que funciona.