– Vou comprar pão.
– Tá louco, Zé Henrique? Tá tendo manifestação na rua.
– É aqui do lado, eu vou pelo cantinho.
– São dois quarteirões, você é maluco.
– Maluco pelo meu direito de café da manhã com pão. Vou lá.
– Não vai nem tirar o pijama?
– Ninguém vai me notar.
Pisou para fora da portaria do prédio e deu de cara com uma repórter.
– Não vou dar entrevista, podem parar de me filmar.
– É rapidinho, eu só quero saber o motivo do senhor estar nesta manifestação.
– A padaria.
Se enfiou num canto e foi caminhando devagar em meio à muvuca. A mulher ao seu lado cantava junto aos outros “eu já falei, vou repetir! Eu já falei, vou repetir! Eu já falei, vou repetir!”, enquanto filmava tudo com o celular.
– Moça, não me filma, não.
– Tem que filmar, tem que mostrar pro Brasil que a gente não tá aqui pra brincadeira, porra. Acorda, Brasil!
– Acordar, mesmo, só depois do meu pão.
– Quê?
– Nada.
“Tem que mostrar pro Brasil que a gente não tá aqui pra brincadeira, porra. Acorda, Brasil!”
Segurou os passos para se distanciar daquele grupo e logo estava perto de um casal que seguia tranquilo. Já enxergando a fachada da padaria, foi surpreendido por uma briga, uma gritaria, um empurra-empurra, um vuco-vuco e, quando percebeu, Zé Henrique estava no meio do povão, sendo cada vez mais arrastado para longe do tão desejado pão quentinho.
– Vocês podem me dar licença? Eu preciso ir pra lá.
Tentou sair do lugar, levando várias cotoveladas.
– Com licença, eu preciso ir ali.
Sentiu alguns chutes na canela. A fachada da padaria ficava cada vez menor.
– Dá licença, eu quero passar.
Sem sucesso, virou novamente para a frente e viu a roda de um enorme caminhão de som, que ajudou com que ele se sentisse um pouco mais surdo do que já estava. O rapaz ao seu lado ria da sua expressão de desespero. Zé tentou brincar com a situação.
– Pelo menos fiz você rir.
– Você quer subir?
– Sim, rir.
– O homem aqui quer subir! Ele quer subir no caminhão, ajuda aqui!
– Não!
Em alguns segundos, Zé Henrique já estava sendo carregado pelas pessoas e colocado em cima do veículo, sem tempo para qualquer tipo de explicação. O homem que falava resolveu passar o microfone “ao cara que pediu para subir”.
Zé ficou olhando para aquele mar de gente sem saber como sair da situação. Resolveu ser sincero.
– Gente, eu só queria comprar pão.
A multidão foi à loucura, ovacionando o homem de pijama e formando um forte coro: “Pão! Pão! Pão! Pão! Pão! Pão”.