– Marta, eu não gosto disso. Simples assim: não gosto. Me dá vontade de vomitar.
– Tá maluco, Alberto? É miojo. Você sempre comeu.
– Marta, estava entalado na minha garganta há um milênio e meio. Eu odeio o jeito que você tempera o miojo. Odeio. Me coloca numa sala de tortura, mas não me faz comer esse miojo.
– Mas o que é isso, homem?
– Vem um saquinho, Marta, um saquinho de tempero pronto. Pron-to. É assim que é pra ser, é assim que as coisas são, não precisa temperar do seu jeito, entendeu? Vem pronto pra isso. Você muda e deixa ruim. Não é pra ser ruim, não precisa ser ruim. NÃO PRECISA.
– Seu velho ingrato filho da puta, vou falar onde é que eu vou enfiar o saquinho de tempero pronto.
Ele levantou da cadeira, em silêncio, olhou para a mesa, deu um leve sorriso e saiu. A sensação de alívio causada por aquele ataque de sinceridade era tão maravilhosa que ele merecia sentir mais – estava leve, nunca havia sido tão sincero. Resolveu que não iria parar.
– Boa tarde, vizinho. Não vou poder conversar hoje.
– Tá com pressa, Seu Alberto?
– Não. A verdade é que você só se lamenta sobre a sua vida, não faz nada pra mudar e, ah, eu não me interesso por nada disso, além de achar bem irritante. Tenho mais o que fazer.
Atravessou a rua enquanto Juvenal, o vizinho, o observava com os olhos arregalados, sem conseguir soltar uma palavra sequer.
– Marta, estava entalado na minha garganta há um milênio e meio. Eu odeio o jeito que você tempera o miojo. Odeio. Me coloca numa sala de tortura, mas não me faz comer esse miojo.
Dali pra frente foi só franqueza, “ainda bem que a sua família é rica, porque burro desse jeito você não ia conseguir muita coisa sozinho”, “não, se eu quisesse ouvir a palavra do seu deus eu estaria conversando com ele, não com o representante”, “eu não gosto do recheio da bolacha Bono e só como a parte do chocolate, qual é o problema?” e outras frases que deixaram todo mundo de boca aberta.
– Alberto, tem uma coisa estranha acontecendo com você.
– O que foi, Marta?
– Você tá diferente, tô começando a ficar preocupada.
– Preocupada por quê? Eu nunca estive tão feliz, estou me sentindo mais leve a cada dia.
– É aí que tá o problema, Alberto. Tá leve!
– Não tem problema nenhum, tá tudo bem, tá tudo lindo, vem cá.
Marta não conseguiu continuar porque foi agarrada pelo marido e, bom, ela não era de ferro. No dia seguinte, os dois levantaram cedo e foram para o trabalho.
– Alberto, preciso que você refaça aquele artigo de ontem. Do zero.
– Por que, tem algo errado, chefe? Peço desculpas desde já, vou refazer, sim.
– Tem algo bem errado: eu não gostei. Esperava mais.
– Mais? Mais o quê?
– Mais.
Começou a ficar vermelho e sentir que iria explodir a qualquer momento.
– Mas eu preciso saber o que é “mais”.
– Mais. Só mais. Está um lixo.
– Lixo é você.
– O que foi que você disse?
Começou a sentir o chão tremer, as costas formigarem e a sinceridade fluir.
– EU DISSE, ALMEIDA, EU DISSE O SEGUINTE…
Alberto falou tantas palavras pesadas que ficou leve o suficiente para sair voando pela janela. Nunca mais foi visto. Pobre Dona Marta – bem que ela desconfiava.