Perdeu as contas de quantas vezes tentou explicar por que preferia estar só. Esgotaram as palavras. Não respondia mais as mensagens que chegavam em seu celular. As apagava antes de ler. Sabia o que diziam. Faziam apelos, tentavam convencê-la a desistir de seu isolamento. “É uma fase, passa. Volte para o mundo.”
Não queria retornar a lugar algum. Isso, pela primeira vez na vida tinha certeza de algo. Precisava ficar só, e nada do que tivessem a lhe dizer a convenceria do contrário.
Quando não estava trabalhando em sua pesquisa, dividia seu tempo entre rever filmes antigos, fazer longas caminhadas ao entardecer, quando a melancolia batia mais forte, e ler. Romances, contos, poemas. Redescobrira Emily Dickinson, a poeta da solidão, que havia devorado no fim da adolescência, mas abandonara com medo de ser como ela:
“Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém — Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!”
O reencontro com esses versos, rabiscados com sua caligrafia em um velho caderno do primeiro ano da faculdade, lhe causaram estranhamento. Não lembrava de tê-los copiado. Era como se tivesse deixado um bilhete para ela mesma ler anos mais tarde, quando pudesse compreendê-los. Emily parecia falar com ela por meio deles, e a confortava. A poeta soube esperar.
Redescobrira Emily Dickinson, a poeta da solidão, que havia devorado no fim da adolescência, mas abandonara com medo de ser como ela.
A ideia de ser ninguém não a incomodava mais. Pelo contrário: a aliviava. Estava cansada de tentar provar que era alguém, de lutar para ser ouvida, quando nem mesmo ela tinha muita certeza de sua verdade. Ao retirar-se de cena, e cortar laços frouxos que pouco ou nada já prendiam ou significavam, havia, finalmente, sido um gesto sincero, autêntico.
Caía a tarde de mais um dia e, ao olhar através da janela de seu apartamento, ela decidiu sair para andar sem um destino certo. Ao pôr os pés fora de seu prédio, encravado no centro da cidade, parou por um instante na calçada. Quis ouvir a cidade, deixar-se penetrar pelos sonos metálicos do fim do dia. Deu o primeiro passo em direção contrária dos que pareciam estar a caminho de casa.
Esse não saber aonde ir a fez prosseguir a passos primeiro hesitantes e, depois, mais firmes.