Meu pai faz 80 anos hoje. Dois homens, cheios de fios brancos nas barbas e nos cabelos, estarão juntos para celebrar uma história que é toda dele, mas também um tanto minha – e há mais de meio século. Ele tinha apenas 26 anos quando nasci e, embora tenhamos passado muito tempo separados, geográfica e emocionalmente, quis o destino, esse hábil e algo irônico criador de enredos, que Roberto, o pai, e Paulo Roberto, o filho, ficassem, neste ponto da trama, não apenas na mesma cidade. Vinte minutos a pé nos separam. Já passamos até cinco anos sem nos encontrar e agora nos vemos quase todos os dias. Nem que seja por meia hora de conversa.
Não consigo pensar em meu pai sem falar de música. Dele herdei a mania de viver com trilha sonora. Apesar de até gostar de ficar quieto, ele enche a boca para dizer que tudo seria um erro sem as canções que embalam seus dias, que repentinamente se tornaram mais solitários por conta de uma viuvez inesperada que o fez atravessar o país, da Bahia ao Paraná, para buscar refúgio na Curitiba de sua adolescência.
Meu pai faz 80 anos hoje. Dois homens, cheios de fios brancos nas barbas e nos cabelos, estarão juntos para celebrar uma história que é toda dele, mas também um tanto minha – e há mais de meio século.
Boleros, sambas-canção, salsas, Alcione, Roberto Carlos, Frank Sinatra. Tudo se mistura nesse baile que é a cabeça do homem vaidoso, quase sempre bem-humorado, mas que, pelo menos uma vez por semana, me pergunta: “Qual a diferença entre melancolia e tristeza?”.
Não tenho respostas, apenas pistas. Como o conheço há muito tempo, arrisco dizer que seus episódios de tristeza são mais esporádicos, e justificáveis. Aos 80 anos, acumulam-se perdas, saudades. “Mas nenhum arrependimento. Tive uma vida maravilhosa”, dispara leoninamente, balançando sua juba ao léu. Então aposto na melancolia.
Roberto sempre foi um romântico, impulsivo, algo inconsequente, que ao se despedir de mim, nas tantas vezes em que dissemos adeus ao longo da vida, sempre disfarçou (mal) as lágrimas. Ele é um homem que chora e não tem vergonha disso. Nunca teve e hoje isso me orgulha, porque, em certa medida, também sou assim. Tiramos desse gosto pelas vastas emoções, pelo arrebatamento, uma certa força vital que nos mantém de pé, vivos. Compartilhamos, portanto, o gosto pela melancolia, palavra que hoje ele gosta de repetir com se tivesse acabado de descobri-la, e talvez, de fato, tenha descoberto.
Ter um pai que faz 80 anos e está perto de mim é uma benção, porque me ajuda compreender melhor o homem que hoje sou, e talvez o que ainda serei. Nunca o tive tão perto por tanto tempo e isso é uma revolução na vida de qualquer ser humano. Ele sonha em ir a Cuba ouvir o Buena Vista Social Club, ou algo parecido. Talvez a gente ainda faça isso um dia desses. Tudo é possível, ele me ensinou.