Vivemos em bolhas. Conectados ao mundo pela internet, imersos nas águas por vezes turvas das redes sociais, nós enxergamos o que acreditamos ser a realidade de forma distorcida, editada pelos nossos desejos e fantasias. De dentro dela, vemos apenas fragmentos, que ajudamos a lapidar por meio de filtros que escolhemos quando aceitamos ou não uma solicitação de amizade, selecionamos veículos de comunicação para seguir ou, na esfera não virtual, elegemos um bar favorito, e pegamos o caminho mais seguro para ir e voltar do trabalho. Não nos damos conta que, talvez, tudo que excluímos, o que escolhemos não ver, e viver, seja bem mais próximo da vida real.
Anteontem, quando os resultados das urnas da eleição começaram a ser divulgados, confesso que ouvi um barulho ensurdecedor: era a minha bolha estourando, se estilhaçando em zilhões de caquinhos que eu talvez jamais consiga voltar a juntar. Outra, com certeza, se formará, como inevitável mecanismo de defesa. Mas, até que isso ocorra, tenho me sentido desprotegido, privado de minhas mentiras de liquidificador, das meia certezas que me mantêm são.
O Brasil que eu quero para o futuro, confirmei no domingo, não é o mesmo sonhado por quase 50 milhões de almas neste país. Esse fato tem me esbofeteado de hora em hora desde então, como se me dissesse, cinicamente: “Acorda, seu idiota ingênuo!”.
O Brasil que eu quero para o futuro, confirmei no domingo, não é o mesmo sonhado por quase 50 milhões de almas neste país. Esse fato tem me esbofeteado de hora em hora desde então, como se me dissesse, cinicamente: ‘Acorda, seu idiota ingênuo!’.
Poucas vezes me senti tão só quanto na noite do último domingo, na hora de deitar a cabeça no travesseiro, com o intuito de descansar o corpo para mais uma semana de labuta. Votei pela primeira vez para presidente aos 24 anos, em 1989. Fui derrotado nas urnas, mas a História (com “H” maiúsculo mesmo!), até bem rapidamente, foi me aliviando a frustração e mostrando que eu não estava tão errado assim. O que tinha enxergado, de dentro da minha bolha de então, talvez fosse mais evidente do que hoje. Ou eu tenha ficado mais míope com a idade.
A sensação, hoje, é de estar em um filme de ficção científica produzido no auge da Guerra Fria, do tipo Vampiros de Almas (1956), de Don Siegel. Parece que as pessoas, na calada da noite, estão sendo transformadas em casulos onde crescem invasores alienígenas de corpos. Estão drenadas de bom senso e humanidade. Revelam-se intolerantes, truculentas, preconceituosas, mas talvez sempre tenham sido assim e eu não tenha me dado conta, protegido em minha bolha de ilusões perdidas. As percebo formando uma legião de autômatos, dispostos a derrotar tudo em que acredito. Sou o avesso, o inimigo.
Mas decido, a esta altura do filme, no meio da trama, resistir e, se possível, usar essa lucidez repentina, resultante do trauma de domingo, para gerar uma bolha maior, unindo a minha a muitas outras, dispostas a tentar mudar o rumo dessa narrativa. Desistir seria deixar-me transformar, também, em um vampiro de almas, num alienígena que desistiu da vida. Não darei a Ele essa vitória.