O luto é matéria-prima para muitas obras literárias. Lidar com a ausência deixada pela perda de um progenitor, ainda mais de forma inesperada, é um tipo de trabalho que nada na vida nos prepara a fazer. O tocante romance Quando as Àrvores Morrem, da escritora Tatiana Lazzarotto, enfrenta este tema por um olhar novo e sensível: ele se atenta às miudezas desse processo, que nem sempre cabem na narrativa típica sobre o luto.
“’Vocês foram uma família feliz’. A frase se repete em várias bocas, como se a existência do pai, consumida, encerrasse um projeto de felicidade conjunta. Foram. (…) No momento do velório, porém, a língua se diverte lambendo a ferida com acidez”. A morte, portanto, é sempre solidão, é fazer parte de um clube indesejado daqueles que compartilham uma tragédia em comum. Um clube que ninguém desejaria participar, mas sobre o qual não tem escolha.
Na história, a filha lida com a morte do pai, ocorrida sem aviso, e volta à interiorana cidade de Província para participar dos ritos e ajudar na passagem da família para a nova vida. Uma vida sem a árvore central, o pai, e tendo que encarar esta transição indesejada: como continuar vivendo quando nos falta a raiz que nos sustenta?
Assim, Tatiana consegue traduzir de maneira muito poética o que significa esta ausência: “como perder alguém que não sabia desaparecer?”. Um filho que perde o pai – é claro que não se generaliza aqui todos os pais, mas o pai presente, em corpo ou em espírito, como um sustentáculo familiar – sente a falta daquilo que o reflete como sujeito presente neste mundo. “Perder um pai foi o mais próximo que senti de me afogar”, escreve, de uma forma que todo órfão de pai presente consegue se identificar.
‘Quando as Árvores Morrem’: a ficcionalização do pai ou a liberdade para (re)criá-lo
Em Quando as Árvores Morrem, Tatiana Lazzarotto transita pelo terreno da autoficção. Ou seja, ela toma elementos da própria história – a perda do pai, em 2018 – para construir uma narrativa livre para associar-se aos filtros da memória e do afeto.
Na história, a filha lida com a morte do pai, ocorrida sem aviso, e volta à interiorana cidade de Província para participar dos ritos e ajudar na passagem para a nova vida.
Uma coincidência entre o pai da autora e o pai do livro é um aspecto que, embora beire o anedótico, delimita a maneira com que este sujeito quis marcar sua presença no mundo: um homem que colocou como um dos seus sonhos ser Papai-Noel de um país inteiro – inclusive, adquirindo registro profissional.
A vida dos filhos, portanto, se adequou também à rotina deste “pai-árvore”, que recebia cartas e crianças de todos os lugares e atendia os seus muito pedidos.
Mas a escritora, de maneira muito perspicaz, sabe que o pai “figura da cidade” é também uma construção pessoal – e coletiva. Ela escreve: “meu pai não é meu pai, são as memórias que eu rego. É preciso paciência para regá-las, especialmente as suspensas, as dependuradas”. Mesmo que o pai seja (em parte) também invenção, é preciso aceitar esta limitação também como legítima.
Narrada em primeira pessoa, a história contada pela protagonista de Quando as Árvores Morrem é também a de uma mulher que afasta e se reaproxima de sua casa, literal e metafórica, e que descobre que é possível seguir existindo quando faltam as bases. De forma manca (como escreve Tatiana Lazzarotto no conto que deu início ao processo deste romance), mas ainda assim existindo.
QUANDO AS ÁRVORES MORREM | Tatiana Lazzarotto
Editora: Claraboia;
Tamanho: 147 págs.;
Lançamento: Abril, 2022.
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