Muita gente atravessou os anos de pandemia passando bastante tempo dentro de casa. Houve, inclusive, quem acelerou o ritmo de leitura. Mas se não foi o seu caso, tudo bem. Para te ajudar a escolher os seus próximos livros, nós preparamos um cardápio de indicações, escolhidos pela nossa equipe e por críticos convidados. A lista inclui livros que foram lançados em 2021, mas também disponibilizamos algumas indicações imperdíveis que não são lançamento.
Vale lembrar, inclusive, que nossas indicações têm fundo afetivo: a lista visa menos abordar as obras sob o ponto de vista técnico e mais pela ótica pessoal. Aqui você vai encontrar os livros que mais nos comoveram no ano de 2021
Maura Martins
Jornalista, editora de Escotilha
- Na casa dos sonhos, de Carmen Maria Machado (2021). Tradução de Ana Guadalupe. Editora Companhia das Letras.
A escritora norte-americana produz um livro corajoso sobre relacionamentos abusivos na comunidade LGBTQIA+ – mas que fala, sem dúvida, a todas as pessoas que já estiveram em algum tipo de relação tóxica. O livro tem um formato inventivo, situando-se em uma mistura de relato pessoal com ensaio, no qual a “casa dos sonhos” é retomada etimologicamente e como metáfora do lar que se perde quando um sujeito invade os limites desse lar.
- Pequena coreografia do adeus, de Aline Bei (2021). Editora Companhia das Letras.
Uma menina negligenciada vê o casamento dos pais desmoronar enquanto vivencia sua própria experiência de solidão. As obras de Aline Bei são sempre marcadas por seu estilo único, que transita entre a poesia e a prosa, e é capaz de nos fazer resgatar os sentimentos mais profundos – e que, muitas vezes, somos incapazes de colocar em palavras.
- Copo vazio, de Natalia Timerman (2021). Editora Todavia.
Um romance curto e impactante, sobre um assunto que todo ser humano já deve ter vivido: o sofrimento decorrente de perder, por “desaparecimento”, um relacionamento que parecia promissor. É uma espécie de investigação sobre ghosting sob o ponto de vista de quem é abandonado.
Bônus (livros imperdíveis que não são de 2021):
- Os supridores, de José Falero (2020). Editora Todavia
Dois repositores de supermercado de Porto Alegre se dão conta do que deveria ser óbvio: que eles têm zero possibilidade de melhorar de vida no sistema social que se apresenta. Resolvem, então, investir no pequeno negócio: a venda de maconha. Um livro divertidíssimo que faz uma crítica ácida aos discursos de meritocracia e empreendedorismo.
- A Vegetariana, de Han Kang (2018). Tradução de Jae Hyung Woo. Editora Todavia.
Uma mulher resolve parar de comer carne – e esta mera ação opera como um gatilho para que toda a sua estrutura familiar comece a desmoronar. Esta obra da escritora sul-coreana Han Kang é uma espécie de soco: nos joga na cara uma reflexão em relação ao controle exercido sobre as mulheres e sobre o quanto os homens facilmente as encarceram sob a égide da loucura quando não conseguem compreendê-las.
Rodrigo de Lorenzi
Jornalista. Mantém um canal de Tik Tok sobre livros, filmes e séries e o canal de YouTube Vino Série
- Diga que não me conhece, de Flávio Cafiero (2021). Editora Todavia.
A dor de um término é representada de forma visceral nesse pequeno romance de Flávio Cafiero. O protagonista Tato não está encarando bem o fim do seu namoro com Fabiano. Para poder se livrar das memórias e sentimentos de um ano de relação, ele muda de bairro e vai viver num prédio no centro de São Paulo. Enquanto luta para superar a desilusão, ele precisa também batalhar contra uma enxurrada de lembranças que aparecem a cada passo que ele dá, de maneira incontrolável. É um estudo comovente e bastante crível sobre como vamos entrando numa espiral de mágoa quando não conseguimos superar aquela pessoa que deveria ainda estar conosco.
Tato é um rolo compressor de desespero e vai tentando preencher um vazio de formas erráticas, seja transando com todos que aparecem e se sentindo mal depois ou checando paranoicamente as redes sociais do ex para se apegar a algum fio de cumplicidade que ainda possa existir. Ao colocar São Paulo como cenário principal, a cidade vira uma personagem interessante na trajetória de Tato por ser tão caótica, poética e melancólica, tal qual os sentimentos do protagonista. O livro ainda consegue trazer reflexões bastante certeiras sobre ser homossexual no Brasil e como moldamos nossas relações por causa do tratamento dado pela família e sociedade.
- O que você está enfrentando, de Sigrid Nunez (2021). Tradução de Carla Fortino. Editora Instante.
Uma mulher visita sua amiga que está passando por um câncer terminal. Ao mesmo tempo, acompanhamos as reflexões da narradora sobre passagem do tempo, dor, vida e arrependimento por meio de encontros e conversas com pessoas que ela tem ao longo do caminho. O livro não exagera nas emoções e não pesa a mão no drama, mas emociona. É um texto que nos acessa algumas dores e pensamentos que podem estar adormecidos. O romance exige do leitor certa atenção e paciência para entender todas as construções complexas de histórias dentro da história, mas quando conseguimos fazer isso, o livro nos recompensa com um lindo ensaio sobre as experiências humanas e o poder das histórias contadas pelos outros, da escuta e da empatia. Afinal, carregamos um mundo dentro de nós.
- Gente Ansiosa, de Fredrik Backman (2021). Tradução de Maira Parula. Editora Rocco.
Um assaltante fracassa num roubo a banco, às vésperas do Ano-Novo. Na fuga, invade um apartamento à venda que está sendo visitado por uma corretora e potenciais compradores. Os reféns não conhecem uns aos outros e, ali confinados em situação estressante, contam suas histórias de vida e percebem que têm muito em comum. Atrás do pano de fundo de um assalto e pessoas mantidas como reféns em um apartamento, Fredrik Backman passeia pelos anseios mais comuns de qualquer pessoa.
Um trauma não resolvido, o medo de ter filho, o casamento desgastado, dívidas. Pequenos dramas do dia a dia e que não ganham muita atenção, mas que vão formando nossa ansiedade até que um dia… bem, você assalta um banco e não entende como chegou nesse ponto. Tirando algumas piadas que não funcionaram pra mim, o livro é daqueles que trazem reflexões fortes em meio a parágrafos aparentemente inofensivos.
Bônus (livros imperdíveis que não são de 2021):
- Histórias lindas de morrer, de Ana Claudia Quintana Arantes (2020). Editora Sextante.
Falar sobre a morte é ainda um tema delicado, não apenas pelo teor do assunto, mas por ser fácil demais cair no melodrama ou em algum lugar pesado. Histórias lindas de morrer reúne relatos reais e emocionantes presenciados por Ana Cláudia Quintana Soares, médica paliativa que cuida de pacientes terminais e é uma das vozes mais ativas no Brasil para desmistificar o falar sobre a morte na sociedade.
A obra se destaca por ser um daqueles livros capazes de fazer o leitor mudar suas ações ou sua perspectiva das coisas, sobretudo da vida. Soares mostra um respeito lindo de se ler com seus pacientes e suas histórias. A sabedoria das pessoas que estão prestes a morrer é algo fora das nossas verdades absolutas, pois cada um carrega um universo de experiência de vida. Em um ano tão difícil, falar sobre a morte é tão necessário quanto celebrar a vida.
- O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório (2020). Editora Companhia das Letras.
Vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance em 2021, O avesso da pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado durante uma abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Interessante como o livro não explica o racismo, mas mostra, e o leitor que se vire pra lidar com o que ele está sentindo e testemunhando. Se incomoda numa leitura, imagine na vivência. Impressionante também o texto fluído e direto, que justamente por ser extremamente simples acaba parecendo um diário, fragmentos de histórias baseadas em personagens reais. Não são, mas ao mesmo tempo são, pois esses personagens carregam todo um histórico de violência da população negra no Brasil, que não tem nada de ficção. É sobre memória, pertencimento e reconhecimento.
Michelle Henriques
Coordenadora e mediadora do projeto Leia Mulheres.
- Temporada de furacões, de Fernanda Melchor (2021). Tradução de Antonio Xerxenesky. Editora Mundaréu.
Eu sou completamente fascinada pela literatura latino-americana escrita por mulheres, e o livro da Fernanda Melchor foi a melhor surpresa do mundo. Ela trata de assuntos violentos, numa narrativa rápida, contada num fôlego só. Se tornou um dos meus preferidos da vida.
- Vita Nostra, de Marina e Sergey Dyachenko (2021). Tradução de Heci Regina Candian. Editora Morro Branco.
Eu não sou grande conhecedora do gênero fantasia, mas este livro me encantou logo na primeira página. Ele não te dá respostas, apenas acrescenta informação em cima de informação, e com a escrita fluida, tudo parece fazer algum sentido.
- Semente originária, de Octavia E. Butler (2021). Tradução de Heci Regina Candiani. Editora Morro Branco.
Octavia E. Butler é minha escritora preferida de ficção científica. Foi ótimo conhecer esse que é um de seus primeiros trabalhos e que foi lançado esse ano no Brasil. Todos os assuntos que ela viria a discutir em livros futuros foram pincelados aqui. Semente originária já mostrava o quanto Butler iria revolucionar o gênero SciFi.
Eder Alex
Professor e crítico de literatura. Mantém um canal de Tik Tok sobre livros, séries e filmes.
- Temporada de furacões, de Fernanda Melchor (2021). Tradução de Antonio Xerxenesky. Editora Mundaréu.
Neste premiado romance, a escritora mexicana forja uma estrutura narrativa policialesca para elaborar um complexo painel da pobreza e da cultura da violência em seu país. Dos livros que li este ano, este é de longe o melhor em termos de sofisticação de linguagem e enredo.
- Rinha de Galos, de María Fernanda Ampuero (2021). Tradução de Silvia Massimini Félix. Editora Moinhos.
Neste livro de contos, a escritora equatoriana nos apresenta um painel imundo da condição humana e dos laços perversos que nos unem.
- Sobre a terra somos belos por um instante, de Ocean Vuong (2021). Tradução de Rogério Galindo. Editora Rocco.
Uma carta de um filho para uma mãe que não sabe ler. Neste livro, o escritor vietnamita conta a história de sua vida a partir de uma prosa poética tão dolorida quanto arrebatadora.
Bônus (livros imperdíveis que não são de 2021):
- Gomorra, de Roberto Saviano (2008). Editora Bertrand Brasil.
Um livro-reportagem brutal que investiga os meandros da máfia italiana. Do mundo da moda ao mundo das drogas, o livro nos apresenta uma realidade imunda, onde a desesperança é universal.O
- O Peso do Pássaro Morto, de Aline Bei. Editora Nós.
A escritora paulistana utiliza uma linguagem poética aparentemente singela para nos apresentar a desoladora história de uma mulher comum lidando com as brutalidades cotidianas que tantas outras mulheres enfrentam neste país. Esse é um livro daqueles que deixa o coração esmigalhado.
Jonatan Silva
Jornalista e crítico literário.
- Os Continentes de Dentro, de María Elena Morán (2021). Editora Zouk.
Um dos romances mais delicados e viscerais de 2021, Os Continentes de Dentro é uma fábula sobre construção e destruição, sobre amizade e amargor, mas, antes de tudo, sobre sobrevivência e potência. Morán é uma das vozes mais promissoras da literatura latino-americana e conseguiu estabelecer um fluxo narrativo muito próprio e íntimo. É possível ouvir os ecos de Clarice Lispector e Elena Ferrante.
- Quem costura quando Mirna costura, de Fabiano Vianna (2021). Editora Arte & Letra.
A estreia do artista visual Fabiano Vianna é um sopro de vida em um mundo sem esperança. Mirna, e digo isso com intimidade, nasceu da inquietação de um sujeito sempre em movimento. Os contos de Vianna são o retrato de uma infância perdida em um universo virtualizado e desumano. O livro é um filhote do isolamento e cujos relatos – que presenciei o nascimento um a um – são de uma ninhada criativa, de um jorro de inspiração para o desenvolvimento de um espaço ficcional belo e original.
- Por acaso memória, de Carlos Machado (2021). Editora Arte & Letra.
Carlos Machado é um autor profícuo e com Por acaso memória o seu corpo literário se avoluma ainda mais. Narrando um Brasil dilacerado pelas sequelas do governo Collor, o escritor curitibano dá voz a um paralelo assustador com o país na era Bolsonaro. Se em seus livros anteriores Machado estava em busca do não lugar, nesta novela ele crava os pés no chão da realidade. Vagando pelas vidas de uma família despedaçada, o leitor se dá conta da sua própria impossibilidade de existir.
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