Joe Satriani é um dos guitarristas mais famosos de todos os tempos. Embora o mundo já conhecesse o trabalho inovador de outros mestres da guitarra há mais tempo – como Jimmy Page, Jeff Beck, Eric Clapton, Robert Fripp e Jimi Hendrix –, a contribuição do americano é inegável para a popularização do rock instrumental de guitarra. Antes, foi também professor de gente que se tornou tão famosa e exitosa na música quanto ele próprio, como Steve Vai (Frank Zappa, solo), Kirk Hammett (Metallica), Kevin Rene Cadogan (ex-Third Eye Blind) e Larry LaLonde (Primus, Serj Tankian e Tom Waits). Ainda por cima, fundou o G3, que encanta o mundo reunindo diferentes times de guitarristas para fazer uma verdadeira celebração do instrumento e do rock, blues, jazz, progressivo e experimental.
Contabiliza 15 álbuns de estúdio, sendo o mais recente Shockwave Supernova, lançado este mês. É mais um trabalho em que o guitarrista destila técnica, bom gosto e domínio sobre quais sons quer tirar de seu instrumento e para onde quer levar sua música. Para quem conheceu o Satriani dos anos 1980, dos anos 1990 e dos anos 2000, não haverá erro: é o mesmo artista que encontramos em Shockwave Supernova – e este talvez seja o problema.
Steve Vai, que também é alvo de críticas há algum tempo e, assim como Joe, tornou-se uma celebridade da guitarra, tem uma carreira solo mais aberta musicalmente do que a de Satriani e visivelmente tenta propor novos caminhos para sua música.
Nos quase 30 anos de carreira solo (o primeiro disco dele, Not Of This Earth, é de 1986), Satriani vem mostrando quase sempre o mesmo tipo de música: guitarra instrumental que funciona como uma música rock ou pop convencional. Para que qualquer leigo entenda, é o seguinte: a música dele sempre parte de alguma ideia – um solo, um riff, um fraseado – que serve de porto seguro para a música como um refrão, sempre fazendo o ouvinte saber o que está ouvindo a partir dessa ideia. A música se desenvolve daí para a frente, propondo novos fraseados, um improviso, ganhando mais ou menos dinâmica, etc.
É seguro dizer que quase toda música instrumental funciona (mais ou menos) assim, mas enquanto vemos muitos guitarristas procurando novas formas e explorando novas estruturas que fujam desse padrão, Joe Satriani parece recorrer a ele disco após disco. Não me entenda mal: muito dificilmente encontraremos uma faixa ruim em algum de seus álbuns. Mesmo Shockwave Supernova está cheio de músicas empolgantes e bonitas. Mas basta a audição de três ou quatro discos dele para ouvir uma nova coleção de músicas que não surpreendem mais, não trazem novas formas de pensar a música de guitarra que ajudem a diversificar a discografia do próprio músico. Satriani sabe que é bom para criar temas e fraseados melódicos e está acomodado nessa posição há muito tempo.
Steve Vai, que também é alvo de críticas há algum tempo e, assim como Joe, tornou-se uma celebridade da guitarra, tem uma carreira solo mais aberta musicalmente do que a de Satriani e visivelmente tenta propor novos caminhos para sua música, sobretudo em seus últimos dois discos, Real Illusions: Reflections (2005) – dê uma ouvida em “Under It All”, prog e bastante abstrata) – e Story Of Light (2012) – ouça “The Moon and I”. Sua assinatura continua fácil de identificar, mas a forma musical varia bastante daquele Vai que conhecemos em seu disco mais famoso, Passion and Warfare (1990).
Mas já que estamos em 2015, podemos comparar o que Joe Satriani vem fazendo (ou repetindo) com dois lançamentos deste ano também, como os excelentes Vibe Station, de Scott Henderson, e Elysium, de Al Di Meola. O primeiro, cheio de músicas longas, faz sua guitarra “conversar” o tempo todo, indo do melódico ao hipervirtuoso com a naturalidade que é característica de Henderson. Mas todas as faixas se desenvolvem de maneiras tão insuspeitas que ao terminarem nem sempre parecem as mesmas do início. Para complicar, o músico vai mudando as guitarras e os amplificadores ao longo das faixas, variando completamente os timbres e as pegadas. Já o segundo fez um disco totalmente abstrato, cheio de cores, ritmos e a técnica que Di Meola sempre apresentou, mesclando guitarra elétrica com violão. Não adianta procurar por temas em Elysium: a proposta musical é o centro da canção, muito mais do que qualquer fraseado que possa vir a se repetir. Nesse contexto, é como se a forma musical de Satriani fosse um padrão de que outros guitarristas tentam fugir para continuar propondo algo novo.
O que pesa a favor de Satch (apelido pelo qual o guitarrista é conhecido) é que sua música é muito mais acessível a qualquer ouvinte do que as obras mais exigentes de Henderson, Di Meola, Fripp, Jeff Beck e mesmo Vai. Além disso, embora vá repetindo as estruturas, tenta inovar dando uma nova cara (mesmo que apenas superficial) a seus álbuns. Engines of Creation (2000) tem uma forte base eletrônica; Is There Love in Space (2004) é um de seus discos mais espaciais; Unstoppable Momentum (2013) usa grandes sons e deixa tudo com cara de hino. Mas ele nunca vai muito longe na experimentação e na proposta, permanecendo em segurança. Mesmo as influências mais árabes/turcas de algumas faixas de Professor Satchafunkilus and the Musterion of Rock (2008) não passam de detalhes ou introduções, escalas nunca plenamente incorporadas à digitação de sua Ibanez durante toda uma faixa.
Se pensarmos que Satriani é um dos caras que também se preocupa com tecnologia, ajudando a desenvolver vários novos sons, meios de produção em estúdio e resultados ao vivo, fica um tanto esquisito olhar sua obra sob os prismas da estrutura e inventividade e constatar que sua fórmula estará sempre lá. Infelizmente, não dá para dizer que seja sua melhor assinatura.