Quando Lenna Bahule começa a cantar, é difícil ficar indiferente. Dona de uma voz suave e ao mesmo tempo forte, a cantora moçambicana também se destaca pela forma como transforma o ato de cantar em um movimento de descobertas do corpo e de suas potencialidades na música. Um processo de pesquisa que se tornou central na carreira da artista de 29 anos, que já possui um disco lançado.
Lenna é natural de Maputo, capital e maior cidade de Moçambique. Filha de um engenheiro de som ávido por colecionar vinil e fitas, começou sua relação com a música aos cinco anos, na Escola Nacional de Música, em Maputo. Mesmo contra sua vontade na época, como já contou em entrevistas, o gosto pela música foi crescendo. Em 2006, Lenna começou a apresentar suas músicas autorais pelas noites de Maputo e, dois anos depois, passou a integrar a banda TP50, conjunto formado por moçambicanos que tocam música brasileira.
O passo seguinte na sua carreira ocorreu em 2011. Naquele ano, Lenna trancou a faculdade e passou a se dedicar exclusivamente à música. Foi nessa época que acabou escolhida para integrar a Nkhuvu, banda que acompanha Stewart Sukuma, um dos principais músicos de Moçambique. A parceria rendeu, pouco depois, uma vinda ao Brasil, que permitiu à cantora se aproximar da cultura brasileira, em especial da música produzida por aqui.
A vinda definitiva para o Brasil só ocorreu no ano seguinte, quando o que era para ser uma visita, para a realização de uma prova de música, virou uma mudança definitiva. “Era pra ser uma passagem, porque eu vim para ficar seis meses, vim para fazer a audição, que antecipou e eu perdi. Transferiu para a Colômbia, mas eu não tinha grana pra ir. Quando eu vi, estava sem dinheiro e não tinha como voltar pra casa. Eu sinto que isso foi um chamado. O Brasil é um lugar muito fértil criativamente”, contou ela, que se declara apaixonada pela harmonia, composição e rítmica da música brasileira.
Lenna Bahule e seu disco nos desafiam a olharmos o que a África nos legou e o quanto ainda podemos aprender sobre as culturas que nos formaram
A aproximação com a cultura do Brasil e a conexão com suas origens africanas resultou no disco Nômade, o primeiro de Lenna, que saiu em 2016, com participação do público através de financiamento coletivo. O trabalho reúne doze canções cantadas em português e também em uma série de línguas que integram a cultura africana, como o tsonga e o suaíli. Uma mistura que é simbólica não somente pela trajetória de Lenna, mas também porque, ao mesmo tempo, representa o caminho percorrido pela própria cultura brasileira, forjada na mistura e com influência definitiva da cultura africana. Além disso, também demonstra o potencial de conexão possível através da música, já que, mesmo sem compreendermos as línguas cantadas, é difícil não nos conectarmos às canções.
Recheado de participações de amigos e de parceiros nessa empreitada pelo Brasil, Nômade também se destaca pelo uso da voz como instrumento musical e pelo uso do corpo como percussão, a exemplo de artistas como Bobby McFerrin e Naná Vasconcelos, referências assumidas de Lenna.
“Através de muitas práticas de improvisação e estudos vocais, fui criando um número considerável de composições e quando fui ouvi-las para a seleção do conceito do disco, observei que tinha ali uma coerência que levava muito para a música vocal e corporal, com gotas densas e coloridas de matriz moçambicana. E assim, em parceria com o Jonas Tatit, fiz o disco”, explica.
Atualmente, a cantora segue criando projetos em São Paulo, como cursos de vocalização e de consciência corporal. Um dos trabalhos mais recentes é ao lado do músico João Taubkin, apresentando canções autorais de ambos os artistas.
Por também ter sido colônia de Portugal, Moçambique partilha de certas referências culturais com o Brasil, como o idioma. Isso, por sua vez, permite que uma série de manifestações artísticas daqui sejam consumidas no país africano, como a música, por exemplo. Lenna Bahule nos propõe fazermos o caminho inverso e olharmos o que a África nos legou e o quanto ainda podemos aprender sobre as culturas que nos formaram. Moçambique também é aqui.
NO RADAR | Lenna Bahule
Onde: Maputo, Moçambique;
Quando: 2011;
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